Não é de hoje que sabemos que o marxismo acadêmico tem capitulado as mais diversas degenerações do marxismo. Em muitos aspectos, em cada uma das mesas da “esquerda acadêmica”, os revolucionários têm sido atacados, especialmente em sua maneira inconciliável de se relacionar com o capitalismo e a sociedade de barbárie vigente, mas também pela defesa incondicional do marxismo revolucionário, em analisar cada um dos grandes fenômenos à luz da luta de classes.
Essa problemática se expressou de maneira intensa na mesa realizada no dia 05/05 na UNICAMP, com a presença de Domenico Losurdo, conhecido filosofo italiano; além dele, estavam presentes Armando Boito, intelectual renomado preso ao último e resistente suspiro do althusserianismo na academia e, para nossa desgraça geral, também se fazia presente a figura de João Quartim de Moraes, conhecido filósofo stalinista.
A palestra estava centrada na temática do novo livro de Losurdo, intitulado A Linguagem do Império. Losurdo partiu, conforme uma tradição italiana na análise política, da divisão entre força e consenso (“ideologia”): de um lado, o dado de que 50% da produção bélica mundial se concentra nos EUA; por outro lado, a análise mais detida das diversas formas ideológicas da dominação estadunidense. Assim, Losurdo procura explicitar e inverter os jargões do imperialismo.
Conforme indica Losurdo, o chamado terrorismo, uma ação “individual” de destruição de massa, poderia ser fundamentado, não no Oriente Médio, mas antes nos próprios EUA, uma vez que nesse entendimento a destruição de Hiroshima e Nagasaki seria a grande ação terrorista no século XX. Outro termo do léxico norte-americano e imperialista, o fundamentalismo, teria nascido nos próprios EUA, baseando as ações ético-políticas da sociedade nos fundamentos do cristianismo e, nesse sentido, nenhum pais tanto quanto os EUA teria uma conexão tão íntima entre religião, moral e política. O anti-americanismo, tão deslegitimado pelos EUA como expressão do nazi-fascismo ou da esquerda radical, seria muito mais uma expressão da intolerância de alto grau ao imperialismo, uma vez que poucos reivindicaram tanto a política de um Estado de exclusão racial, conforme foi por séculos o Estado norte-americano e que mantém seus estigmas, quanto os nazistas (o próprio livro de Hitler, Minha Luta, reivindica essa “qualidade” dos EUA). Além desses pontos, Losurdo ainda analisa a passagem do Estado racial de exclusão dos negros para a discriminação direta do islamismo, outro ponto abordado por ele.
Toda essa discussão, a despeito de não se analisar concretamente a questão à luz da luta de classes, apresentava a necessidade de um questionamento da potência americana, acertando Losurdo em terminar sua palestra colocando essa pesquisa em favor da luta antiimperialista.
A parte mais complicada ficou para o debate. A primeira grande questão estava baseada nos termos da palestra: para Losurdo, o totalitarismo seria uma das terminologias da linguagem do império, uma vez que enfatiza a vinculação entre o nazi-fascismo e a URSS stalinista, e não a vinculação entre o nazi-fascimo e o Estado racial dos EUA, que seria o grande fundamento de igualdade entre os dois, segundo Losurdo. Trata-se, no mínimo, de um erro crasso. O processo de burocratização na URSS e o subseqüente Termidor foram o início da vitória da burocracia sobre as massas, ou seja, a vitória de uma camada descolada do poder operário, da democracia de base, dos soviets e do processo que conformou o Estado operário. Esse processo foi avançando gradualmente, perseguindo toda a vanguarda revolucionária de Outubro; a repressão aumentava e mudava-se o caráter da burocracia, cada vez mais implacável. Do Termidor passamos ao Bonapartismo stalinista; do bonapartismo ao totalitarismo. Aqui também se faz notável a máxima da Lógica de Hegel: “mudanças quantitativas, a partir de certo ponto, tornam-se mudanças qualitativas”. O totalitarismo foi a fase mais avassaladora desse processo de repressão e falta de democracia. Assim, indicava Trotsky, já em 1935, antes dos processos de Moscou:
Da democracia no partido, nada mais resta do que a memória da velha geração. Com ela, a democracia dos soviets, dos sindicatos, das cooperativas, das organizações esportivas e culturais volatilizou-se. A hierarquia dos secretários domina tudo e todos. O regime adquirira um caráter “totalitário” alguns anos antes que o termo nos viesse da Alemanha. (Trotsky, A Revolução Traída, cap. 5)
Assim, não colocando um sinal de igual entre Alemanha e URSS, por questões lógicas que diferem o Nazismo de um Estado Operário degenerado, podemos encontrar uma semelhança brutal na forma com a qual o Estado atacou a auto-organização dos trabalhadores e todos os traços de contestação revolucionária naquelas sociedades. Voltando a palestra de Losurdo, soa-nos agora pecaminoso dizer que “totalitarismo” é um termo meramente ideológico, como o fez o marxista italiano. Fechada essa base extremamente problemática que Losurdo ofereceu em sua palestra, ficamos com o sentido positivo antiimperialista para atacar o que houve de degenerado na mesa.
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O problema maior residiu no fato de que a tal parte extremamente problemática da fala de Losurdo foi utilizada por Quartim de Moraes para aprofundar sua perversão do marxismo: perguntava Quartim “como relacionar o Nazi-fascimo e a URSS [stalinista!!], só porque tinham um partido único? Para vocês verem como é ideológica essa terminologia de totalitarismo”. A que ponto chegam os stalinistas para defender a chacina generalizada de todos os setores revolucionários da URSS! Como não chegar, enfim, à conclusão de que a cabeça normal de um stalinista “educado” é uma lixeira na qual a história joga de passagem a casca e os detritos de suas diversas realizações?
Mas o ponto alto dessa “burocratização da mesa” foi a ênfase geral de Quartim para que não se “fizessem intervenções, nem lessem manifestos, nem expressassem posições políticas, mas apenas que se fizessem perguntas”. Do alto de sua autoridade de estar na mesa da atividade, esse stalino tirava todas as possibilidades de que interviéssemos com nossos anseios de uma juventude inconformista e revolucionária.
Enfim, não pudemos discutir o marxismo nos termos corretos, revolucionários, nem mesmo expressar nossos anseios de nos ligarmos aos processos de luta de trabalhadores nas universidades, como se apresentam agora os trabalhadores da USP e logo da UNESP. Fazemos dessa nota, em vista disso, nosso suspiro da juventude igualmente antiimperialista, mas que reconhece com clareza os inimigos íntimos da classe operária: o imperialismo (traduzido em fascismo e democrático-burguês), por um lado, e o stalinismo, por outro.
Que nossa geração enterre os seus mortos; que a juventude combata a burocracia na universidade, porque a máscara desses velhos stalinistas já caiu, e a juventude já não semeia nenhuma ilusão nessa bandeira stalinista de sangue – esta só representa o retrógrado; e como sabemos, a juventude adotará a bandeira daqueles que oferecem um futuro.
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