segunda-feira, 22 de março de 2010

Visite e acompanhe o blog da Iskra!

O blog da revista Iskra é espaço aberto por uma nova geração de estudantes e jovens intelectuais marxistas, que, aproveitando o dinamismo próprio da internet, pretendem abrir reflexões e debates sobre os principais tópicos da atualidade, desde os temas cotidianos mais candentes do cenário político ou da luta de classes, até as discussões mais profundas sobre economia, filosofia, arte e cultura. Nos distintos níveis de questões oferecidas pela própria realidade, buscamos, de maneira audaz e “inconformista”, combater as idéias dominantes e a força espiritual burguesa, como parte do esforço de forjar uma intelectualidade renovada, efetivamente revolucionária e a serviço da emancipação dos trabalhadores. Sabemos que não se trata de uma tarefa simples, fácil. Ao contrário. Queremos contribuir, na medida de nossas humildes forças, na difusão do marxismo, numa hora vital em que seu poder de atração rejuvenesceu com respeito à etapa anterior, especialmente a partir do solavanco do capitalismo e do estouro de sua crise em 2008.
Em nosso blog – e nos boletins eletrônicos que divulgaremos periodicamente – queremos também intervir nos principais debates da esquerda política e universitária, de suas tendências e correntes, que muitas vezes se desviam do pensamento efetivamente transformador, perdendo-se seja na esterilidade prolixa do marxismo acadêmico, seja no baixo nível – reformista, populista, ou dogmático – da esquerda organizada. Queremos dialogar e polemizar com a intelectualidade brasileira, discutindo suas proposições teóricas e suas posições políticas para, a partir daí, desnaturalizar a passividade tão cotidiana na academia. Debateremos também matérias de jornais e revistas de grande circulação, nos posicionando diante dos principais acontecimentos do cenário nacional e internacional. Divulgaremos nossas atividades, bem como a de nossos grupos irmãos, como o Movimento A Plenos Pulmões e o grupo de mulheres Pão e Rosas. Pretendemos também cobrir os principais eventos políticos e acadêmicos nos lugares onde estamos.
Queremos transformar o blog da Iskra em um pólo de debate vivo e dinâmico. Por isso, convidamos a tod@s a acessá-lo periodicamente, a divulgá-lo e difundi-lo, e a contribuir com suas próprias críticas e visões!

A adaptação à democracia burguesa: as consequências da política do PSOL nas eleições nacionais e no DCE-USP

Daniel Alfonso e Bruno Gilga


Ano de eleições presidenciais com um DCE dirigido pelo PSOL, pelo MES..... O que isso significa? O PSOL é um partido que nasceu da ruptura de um setor de parlamentares com o PT quando a grande esperança do povo transformara-se, após poucos meses à frente do Brasil, em um empecilho para a defesa de seus interesses. O PSOL é fruto de uma ruptura em frio com o PT, por fora de qualquer balanço sobre as causas reais da atuação, digamos, “pragmática” daquele partido no governo federal (como se o PT não estivesse governando cidades e tivesse cadeiras no Senado desde meados dos 80 atuando como um parido totalmente adaptado ao regime democrático-burguês)[1] , e sem a vantagem do PT de ser resultado do ascenso operário do final dos anos 70 e começo dos 80 . Sem o apoio “das massas” que esperava ter, reproduz todos os vícios a que um pequeno partido com poucas cadeiras no congresso e no senado deve se entregar para, sem quebrar as regras do jogo, não desaparecer do mapa. Para ficarmos em alguns exemplos mais recentes, basta citar o Super-simples – medida que retira direitos dos trabalhadores -, o recebimento de grandes doações da burguesia para campanha eleitoral (100 mil reais só da Gerdau no RS), o apego desesperado à polícia e à justiça federal como supostas instituições honestas, “limpas” e eficientes, a defesa de um “senado ético”, etc....

O Movimento Esquerda Socialista, considerado ala direita do PSOL pelo resto do próprio partido, depois de boicotar através dos CA´s a gestão do PSTU à frente do DCE-USP, estampa sorriso de orelha à orelha por estar à frente do principal DCE do país num ano eleitoral. Seria exagero? De maneira alguma: toda a ação do PSOL estará permeada pelo tensionamento das eleições para presidente e governador, e como partido que prega os métodos mais burocráticos da esquerda reformista brasileira, buscará, por todas as vias, colocar o DCE a favor da tática eleitoral de seu partido (claro que isso é em busca do “diálogo dos socialistas (sic!) com as massas, e da construção de uma correlação de forças mais favorável em que, aí sim, será a hora de agir... eita juventude resignada!).


Toda ajuda é bem-vinda... e Rodas fica feliz em poder contribuir!

Os pupilos de Luciana Genro dão um passo à frente na relação com o poder da burguesia


Mesmo para um partido que já aceitou dinheiro da burguesia nacional para realizar campanha eleitoral, de certa forma espanta o nível de atrelamento político entre Rodas e o DCE. (Apesar de tê-la aceitado sem escrúpulos, Luciana Genro manteve firmemente a farsa de que a felpuda contribuição da Gerdau não afetaria um milímetro de seu programa). Rodas foi escolhido a dedo por Serra com o objetivo primordial de manter a estabilidade na USP, parte de seu calcanhar de Aquiles que é a educação estadual, depois dos conflitos do primeiro semestre de 2009 que resultaram na histórica entrada da polícia, com bombas como cartão de visitas, e da crise institucional estabelecida desde então. Hábil político, Rodas chega com o discurso do diálogo “entre as partes responsáveis”; ao SINTUSP - o setor mais dinâmico e combativo da USP há anos, uma das principais pedras no sapato de Serra, a ponto de levar a ex-reitora Suely a atacar de forma inconstitucional a categoria no ano passado através da demissão de Brandão, dirigente sindical, e das bombas e balas de borracha da PM, pela primeira vez desde a ditadura – diz que tem acesso privilegiado a seu gabinete; aos professores garante aumento salarial nos primeiros dias de aula para refrear qualquer iniciativa de mobilização, e entre os estudantes... percebe a confluência com a gestão do MES no DCE em um ponto estratégico: a estabilidade política na universidade no ano eleitoral! Resultado? Rodas oferece dinheiro e aparato institucional para o DCE e, em troca, o MES finge que Rodas não existe e centra forças na solidificação de sua tática eleitoral, com olhos arregalados em direção à outubro. E é assim que o manual do calouro, pela primeira vez desde a criação do DCE, apresenta o mesmo programa da reitoria... nesse sentido, o MES já começa a gestão fazendo história.


A construção eleitoralista e o movimento estudantil


“Defendemos, a curto prazo, a implementação de cotas e a ampliação do INCLUSP, e a médio prazo, a “expansão planejada de vagas”: é o que diz o manual do calouro, parafraseando a plataforma de Rodas como candidato a reitor. Na semana da calourada o MES também chama, a partir da rede de cursinhos que dirige, um ato por uma audiência com Rodas sobre cotas, cuja realização ele mesmo já acenara. É assim que o MES procura, sem entrar em contradição com a reitoria, aparecer como disposto à luta, travestindo de conquistas próprias as pequenas concessões com que Rodas já acenava para fechar pela direita a crise política aberta na universidade. Nada mais conveniente para um reitor que tem muitos mais ataques do que concessões reais a oferecer.

Para isso, a gestão do MES no DCE precisa apagar as bandeiras levantadas por estudantes e trabalhadores ao longo dos últimos três anos, e mais, deslegitimando seu programa, para deslegitimar as próprias lutas! Deixar de lado os fóruns de democracia de base do movimento, outorgando-se, a partir da votação que receberam nas eleições para o DCE – um simulacro de eleição parlamentar que nem sequer constitui uma gestão proporcional – a prerrogativa de dar os rumos do movimento em nome dos estudantes. É a forma que toma no movimento estudantil a concepção cujas consequencias na política nacional apontamos mais acima, e que no debate das eleições desse ano, já toma contornos claros; vejamos...

Em um artigo para o blog da campanha por Martiniano, “Barbara Vallejos, militante do PSOL e dirigente do DCE/USP” – como assina -, expressa de maneira clara esse espírito conservador.[2] Defendendo que Martiniano seja o candidato do PSOL à presidência da república, comenta a intervenção de Plínio de Arruda Sampaio (favorito em São Paulo para ficar com a candidatura) em debate sobre criminalização dos movimentos sociais. Plínio se referia à defesa do MST, segundo o quadro traçado por Barbara,

destacando a ousadia do movimento ao ter derrubado os sete mil pés de laranja. Disse que, quando questionado sobre o ocorrido, ele respondia: ‘O MST errou. Deveria ter derrubado 70 mil”. O que me deixou mais chocada foi ouvir ainda a declaração: “Antes, os velhos precisavam impor limites aos jovens. Vejam só… Hoje, Plininho me coloca limites e pede para que eu não dê declarações tão radicais. Mas mesmo assim, digo: deveriam ter derrubado 70 mil!’.

Depois de dizer em uma frase escondida que infelizmente não houve falas do PSOL contra o PT, Barbara passa todo o artigo frisando a importância de um debate mais “realista”, contra as referências de Plínio a uma “vaga burguesia”. Defender Plínio não é nosso interesse, mas cabe perguntar: que debate mais realista que a luta por terra em um país de enorme concentração latifundiária? O problema da visão de Plínio, e a “utopia” – como diz Bárbara – que carrega, não é a defesa do MST, mas sim a idéia de que é possível levá-la à frente em conciliação com a burguesia (ainda que temporariamente) – e sobre esta concepção, sim, nem há grande divergência prática por parte de qualquer setor do PSOL; já o problema do MST está longe de ser o de ter destruído somente 7 mil pés de laranja: a questão é o atrelamento da direção do MST ao governo federal e seu programa, que respeita a concentração de terra “produtiva”[3],

Para Barbara, a responsabilidade do PT sair vitorioso no debate é exclusivamente de Plínio, mas o mais importante é a constante busca por uma política mais “pragmática”. Vejamos um trecho:

“O embate de projetos não foi pautado por aquele que se pretende o maior porta-voz de nossa organização. Enquanto o discurso for de propaganda do socialismo, sem atacar os opositores reais de nosso projeto, Plínio seguirá sendo o admirado candidato dos sonhos e das utopias, mas será incapaz de postular o PSOL como uma alternativa REAL de transformação. Por isso, no debate, a intervenção de Plínio foi incapaz de impedir que a posição petista saísse como vitoriosa. (...)Não faremos isso se nos apresentarmos, de forma infantil, como iluminados capazes de tratar do socialismo, “chocando a opinião pública”. Conseguiremos dar cabo de nossas tarefas chocando-nos com o lulismo e com a política que dialogue com o movimento de massas. Definitivamente, a nossa opção não pode ser a de contentar-nos com o papel de consciência crítica e radicalizada do PT.” Qual deve ser o objetivo do PSOL? Barbara eloquentemente nos diz em seguida: “A missão do PSOL é maior. Hoje, o nome capaz de empunhar nossas bandeiras de luta por terra, justiça e igualdade é Martiniano Cavalcante!


Por um verdadeiro programa realista!


Defendendo o “diálogo dos socialistas com as massas”, cuja consciência está distante da revolução e próxima de Lula, o PSOL se adapta justamente a essa consciência, integrando-se profundamente às instituições da burguesia e alimentando ainda mais as ilusões de qualquer setor cuja confiança conquiste nos mecanismos de preservação da ordem burguesa, cumprindo particularmente o papel de reforçar o espírito passivo de uma juventude que só conheceu os anos de ofensiva do neoliberalismo.

Barbara diz que é necessário um programa realista. Foquemos então onde Barbara e o MES possuem raio de ação direto, mas confundem programa realista com mãos dadas ao reitor (e consequentemente a Serra...quem diria hein?). Um programa realista nas universidades deve retomar as bandeiras votadas nas assembléias dos últimos anos, deve passar, entre outros pontos, pela luta contra a UNIVESP e a destruição do ensino, ligando-a à luta pelo fim do vestibular - não pelo INCLUSP[4]!; deve ser pelo fim da terceirização e do trabalho semi-escravo, com integração imediata dos terceirizados ao quadro de funcionários, com salários iguais para funções iguais!; deve ser pela destruição do regime despótico das universidades, onde estudantes, funcionários, professores e comunidade possam proporcionalmente decidir os destinos do ensino superior! E devemos dizer em alto e bom som: um programa realista passa pela discussão democrática com os estudantes em luta! No dia 13/3 ocorreu algo quase inédito: a partir de uma proposta da gestão do MES no DCE, e com permissão de todos os CAs presentes, sem exceção, um CCA se outorgou a prerrogativa de definir, por fora de uma Assembléia, a “pauta” dos estudantes para o ano![5] Claro, são os representantes eleitos, infere-se daí que podem fazer o que bem entendam, até resolver mudar de posição e deixar de exigir a revogação da univesp (seria a posição do ano passado discurso eleitoral?). Nos perguntamos, que serviram as lutas de 2007, 2009? Para darem eixo aos desafios do movimento estudantil! E isso o DCE não vai conseguir apagar. Essas bandeiras precisam ser recuperadas! Um passo importante é exigir de todos os CA´s e do DCE, que se convoquem Assembléias que pautem, antes de mais nada, a independência do movimento estudantil em relação à reitoria e o pacto tácito entre a gestão do DCE e Rodas, para que os estudantes possam, democraticamente, definir sua posição em relação a sua estratégia e a seu programa, que hoje o MES tenta impor-lhes a partir de espaços burocráticos como o CCA.

Será que a influência da ideologia conservadora, (meio cristã sui generis) de Heloísa Helena, que prega veementemente contra o direito ao aborto, que tem “amigos” declarados na bancada ruralista, que defende o ensino privado, etc, não encontra nenhuma resistência na juventude do MES? O horizonte eleitoral, por si só, é estreito demais para que a juventude ouça, se sensibilize e se ligue diretamente à luta dos trabalhadores. Isso faz com que o MES repetidas vezes diga que estamos num refluxo histórico. Não sabem que estamos na pior crise econômica desde os anos 30? Não estão a par dos fortes impactos na classe trabalhadora e na incipiente resistência, tanto de um setor histórico da esquerda quanto de uma geração que não cresceu com a referência no PT? Não percebem que apesar do movimento operário e social não demonstrar sua verdadeira força, há processos de luta de fundamental importância que mostram uma incipiente recuperação de suas forças, tanto nacional quanto internacionalmente?[6] Uma atitude realista, no sentido marxista do termo, reconhece que o diálogo dos socialistas com as massas parte de apoiar suas lutas, acelerando por essa via – e não pela via dos discursos eleitoreiros – uma experiência crítica com as ilusões que têm na democracia burguesa – no Brasil em particular com o governo Lula –, e, portanto, passa pela ligação com o movimento operário e suas lutas (na USP começando com a garantia da independência política do movimento estudantil em relação à reitoria e ao conjunto da burocracia acadêmica, com o apoio ativo aos trabalhadores efetivos e terceirizados e pela ligação direta com outros setores de trabalhadores e suas lutas como, por exemplo, a atual greve dos professores das escolas públicas), na perspectiva estratégica de arrancar da burguesia, termo vago para Barbara e o MES, e concreto demais para os trabalhadores -, o poder de impor uma vida de miséria e exploração.



[1] Hoje, passados mais de 6 anos da saída do PT, Luciana Genro justifica a atuação no PT devido à dificuldade da situação política dos anos 90. Isso em um artigo intitulado “um passo à frente dois atrás”, disponível em www.lucianagenro.com.br,em que defende entusiasticamente o apoio do P-SOL à Marina Silva, para o partido não “ cair no isolamento e perder grande parte do capital político que acumulamos nos últimos anos.” Apoio à Marina Silva e Heloisa Helena no Senado por 8 anos.....Em relação aos anos 90, diz “A conjuntura política não está muito fácil para os revolucionários e socialistas. Mas já passamos por piores. Sem falar na ditadura militar, na década de 90, auge do neoliberalismo, era bem mais difícil fazer política para as massas. Difícil a tal ponto que tínhamos que atuar dentro do PT, um partido que nunca foi dirigido por socialistas consequentes como é o PSOL, e tivemos também que fazer campanha e votar em Lula em 2002, quando ele já tinha até feito um compromisso com o capital (naquela tal “carta ao povo brasileiro”) de manter a política econômica de FHC.” Palavras que falam por si próprias....

[2] Convidamos que leiam o artigo na íntegra em http://martiniano.net.br/blog/?p=51 .

[3] Em busca de uma posição mais “combativa”, lideranças do MST, nos últimos anos, vêm atacando as grandes propriedades produtivas de transgênicos. Essas não estariam cumprindo sua “função social”. Já o resto das terras nas mãos do agronegócio brasileiro....

[4] Programa de Inclusão Social (INCLUSP), aprovado em 2006 dá um irrisório bônus de 3% na nota final da Fuvest para aqueles que cursaram integralmente a escola pública. Combinado com outros exames, como o ENEM, pode-se alcançar 12% de bônus na nota final. Longe de ser um programa discutido e aprovado pelos estudantes, trabalhadores e professores da USP, trata-se de uma medida da reitoria, que visa passar a imagem de democratização do acesso à universidade, sem mexer um milímetro a estrutura elitista e racista de ingresso na USP.

[5] Não podemos indicar onde essa pauta, que irá compor a pauta do Fórum das Seis, pode ser consultada porque, infelizmente, ela – que inclui adaptações tão claras ao regime e à institucionalidade como “Uma comissão paritária para acompanhar a implementação da UNIVESP” e “Criação de uma Pró-Reitoria [sic!] de Permanência Estudantil” – sequer está disponível aos estudantes, apesar de termos buscado o DCE com essa exigência.

[6] Para darmos alguns poucos, mas significativos exemplos. Na Argentina, na província de Córdoba, os trabalhadores da fábrica Kraft (produtos alimentícios) deram um exemplo de luta pela união das fileiras operárias, incorporando os terceirizados ao quadro efetivo, organizando comissões internas, recuperando o sindicato da burocracia, enfrentando-se com o Estado e buscando o apoio da população. Na Philips de Mauá, trabalhadores entraram em greve (ainda que curta) contra a proposta de fechamento da fábrica no segundo semestre. Na Europa, lutas operárias de um novo setor que se politiza frente às conseqüências da crise são recorrentes. Aqui mesmo na USP, não seria a greve, com forte elemento político, pela reincorporação do dirigente sindical Brandão – greve mais importante do primeiro semestre no Brasil em 2009 – um considerável exemplo? Não podemos deixar de mencionar a exemplar luta dos operários da fábrica Zanon, hoje FASINPAT (fabrica sin patrones) do sul da Argentina, que como resposta à crise de 2001 decidiram lutar pela manutenção de seus empregos através da bandeira da estatização sob controle operário. Depois de anos de luta, alcançaram certa estabilidade judicial e, mais importante, são dos elementos mais ativos do movimento operário argentino, sempre defendendo a independência de classe, na política e nos métodos de ação. Nos orgulhamos de poder dizer que, em particular na Kraft, em Zanon e na greve da USP de 2009 ( centralmente como um setor do movimento de trabalhadores; no movimento estudantil buscamos a massificação da luta ), nós da LER-QI e da FT-QI contribuímos na direção política das lutas – e oferecemos apoio desde fora em grande parte das demais lutas – procurando mostrar, dentro de nossas possibilidades, a força contida na classe trabalhadora e o horizonte estratégico para o qual deve apontar; é esse o “diálogo dos socialistas com as massas” que defendemos. Não serão com esses exemplos que a juventude e nós, estudantes universitários, devemos nos contagiar, apontando para uma relação orgânica com o movimento operário e popular?


Gabriel Cohn e Paulo Arantes: elogio do “lattes” e “intelectuais precarizados” – breve debate sobre a relação dos estudantes com a universidade

Daniel Alfonso e Leandro Souza

Na semana da calourada da USP, dois debates em específico deram mostras de como pólos opostos na academia encaram a questão do conhecimento na universidade, assim como a maneira de se relacionar “intelectualmente” com a “instituição”. Ao mesmo tempo, na Ciências Sociais, na calourada organizada pelo CA junto com a burocracia acadêmica, Gabriel Cohn (especialista em Weber, professor aposentado, e ex-diretor da unidade, responsável por um dos mais importantes ataques ao espaço estudantil dos últimos anos) iniciava sua aula inaugural divulgada como Ciência de que?. Seu projeto era, assim como no ano passado, percorrer sobre as formas de se relacionar ao objeto de pesquisa, o que acabou, em 2009, por transformar sua aula inaugural na defesa de Weber e seu tipo ideal. Já em 2010 começou afirmando que não falaria nada sobre o tema com o qual a aula foi divulgada, e que se atentaria para o desenvolvimento das Ciências Sociais nos últimos 50-60 anos. No anfiteatro da História, Paulo Arantes, dos principais intelectuais de esquerda da USP, adepto, em linhas gerais, da análise nacional embutida no que pode ser chamado de “escola da formação” – termo cunhado por Roberto Schwarz como uma referência aos primeiros intérpretes nacionais; Caio Prado Júnior, Sergio Buarque de Hollanda, seguido de Antônio Candido, entre outros – participava da atividade “Formação para além da sala de aula”. Não será possível traçar aqui uma visão completa das duas atividades, mas tentaremos elencar algumas questões que apontam para duas posturas distintas em relação ao posicionamento dos professores frente ao conhecimento. De início, importante dizer que enquanto Cohn foi o responsável por uma gestão de ataques diretos aos estudantes das Ciências Sociais, assim como pelo aumento da terceirização na faculdade, Paulo Arantes foi um dos poucos intelectuais de peso, que junto com Luiz Renato Martins, Rodrigo Ricupero, Henrique Carneiro, Francisco de Oliveira etc, se colocaram contra a demissão de Brandão e tomaram parte ativa na campanha por sua readmissão.

Duas visões distintas

Cohn traçou, de maneira geral, dois grandes momentos das Ciências Sociais. O primeiro seria de caráter “enciclopédico”, dos anos de estabelecimento da matéria no Brasil, em que se formava um aluno mais “multidisciplinar”, preparado para atuar em diversas áreas, ao passo que não encontrava um nicho propriamente seu no mercado. Enfim, tratava-se de formar um profissional capaz de oferecer uma visão diferenciada para um conjunto de matérias já existentes. Nesse sentido, um dos exemplos frisados por Cohn foi referente à atenção dada à filosofia (e à matemática em segundo plano), muito maior do que é hoje. Por volta dos anos 70, junto com a luta pela regularização da carreira de sociólogo, iniciou-se um processo de especialização disciplinar, onde ao invés da disciplina oferecer um amplo quadro teórico sem necessariamente aprofundar-se em nenhum, o aluno é direcionado a uma máxima especialização de determinado tema. Cohn em momento algum relacionou a mudança de eixo das ciências sociais com a situação política nacional. Os anos 70 foram decisivos para a disciplina, que deixava de ser coadjuvante para adquirir fisionomia própria, alicerçada em interesses estreitamente ligados, do ponto de vista institucional, (o que não quer dizer que não houve professores que se distanciaram e se rebelaram contra essa tendência) aos objetivos do grande capital, representado politicamente pela ditadura militar. A entrada de capital internacional na área é representada (quase que de maneira tipificada) pelo papel da Fundação Ford no financiamento de pesquisas (não só na USP, como no Cebrap e outros institutos), que obviamente exigiam resultados mais específicos e profundos; um incentivo à especialização temática em busca de financiamento. A Fundação Ford exerceu papel de destaque na transição dos 70 para os 80 e seu legado se faz sentir ainda hoje. Em certo sentido, a Fundação Ford foi uma das primeiras expressões das Fundações privadas, fenômeno agora generalizado no ensino superior do Brasil.
Arantes, por sua vez, abordou o tema de uma ótica inversa. Para ele houve as duas “revoluções culturais”, que se desenvolveram como fruto de uma situação contraditória que se abriu em dois momentos diferentes dentro da universidade. Em 1934, quando a USP foi fundada, foram trazidos para o Brasil importantes intelectuais da França, da Alemanha, e da Itália, todos esses permeados por uma ideologia de esquerda. Combinado à ideologia dominante recém-formada na USP ser de esquerda, apareceu também a questão não menos importante da ampliação ao acesso, ao passo que na fundação da universidade os principais beneficiários desta eram os burgueses paulistas. A situação começou a mudar quando os professores do ensino fundamental começaram a ingressar nas universidades com financiamento do governo. A longo prazo este processo gerou, entre as décadas de 40 e 60, um início de revolução cultural, abortado pela ditadura militar. A segunda “revolução cultural” se deu já na década de 70, com a expansão de vagas na universidade, permeada também pela ideologia de esquerda presente dentro desta. E esta, por sua vez, foi abortada pela ofensiva neoliberal e os planos de precarização da universidade. Em nossa opinião, esses processos refletiram dois momentos políticos de magnitude revolucionária ou pré-revolucionpária no Brasil, que passaram longe de estarem ligados à análise de Paulo Arantes. O primeiro refletia a efervescência política do primeiro grande ascenso de massas (derrotado devido à inércia e à cumplicidade do PCB com a burguesia nacional); o segundo, no final dos anos 70, expressando a luta contra a ditadura (no segundo ascenso de massas, palavras nossas, desta vez, com maior protagonismo operário). Passado a enorme potencialidade do final dos 70, para Arantes, a universidade atrelou-se profundamente ao capital. Especialização temática para Cohn, atrelamento ao capital para Arantes[1].


A submissão à academia (e o "isso aqui tá muito bom"), o caminho de "intelectuais precarizados" ou ligar-se aos trabalhadores e ao povo pobre e oprimido em perspectiva revolucionária?

Para Gabriel Cohn, a síntese da pesquisa estaria no meio termo entre o enciclopedismo e a especialização, que resultaria numa espécie de especialização qualificada, que somente pode ser fruto de uma sólida base de conhecimento amplo. Desenvolver a relação entre o “conhecimento amplo” e a especialização temática é o caminho da excelência e... da FAPESP e demais agências de fomento. Para o ex-diretor da FFLCH, esse é o caminho a ser trilhado pelos alunos da “melhor escola de Ciências Sociais do Brasil”. Paulo Arantes, por outro lado, enfatizava que ao contrário de limitar o horizonte à busca incessante por migalhas das agências de fomento, no que cunhou o interessante termo “ditadura do lattes”, no sentido de os pesquisadores trabalharem para seus próprios currículos, os estudantes deveriam abandonar essa perspectiva, literalmente “virar as costas para o lattes” e se localizarem como intelectuais “precarizados”, a partir de “levarem para fora”, para os movimentos sociais, o conhecimento produzido na universidade, fermentando, dessa forma, outra “revolução cultural”. Para Arantes, essa é a via de atuar de forma contrária à “ditadura do lattes” , e está ancorada, além do fato da universidade estar atrelada ao capital. Paulo Arantes, expressando parte da influência pós-moderna, afirma que a época atual é de superação histórica desses partidos, dos partidos que visam a transformação social, sendo os movimentos sociais os que respondem pelo que existe de conflitante no Brasil. Uma vez que os partidos políticos de esquerda já não podem cumprir mais nenhum papel transformador, a relação que existia entre partidos e intelectuais (relação que se estreita entre a academia e partidos no segundo Pós-guerra), e que se expressou com força renovada no final dos anos 70 entre universidade e o Partido dos Trabalhadores, está definitivamente liquidado. Em outras palavras, o tempo histórico dos intelectuais orgânicos acabou[2]. São os movimentos sociais os únicos que podem trazer qualquer mudança social. Nesse marco, Arantes aponta duas perspectivas: ou seguir os ditames da “ditadura do lattes” ou localizar-se como intelectual precarizado e ir para o movimento social.
Essas duas perspectivas são opostas e representam, de certa maneira, como a maioria dos docentes se posta em sua relação com a universidade (Cohn) e uma minoria mais sensível à realidade (Arantes). Paulo Arantes é um intelectual consagrado, porém há uma importante camada de novos professores, sem os privilégios dos mais abastados, que se vem frustrando com a dinâmica de privilegiamento quase que exclusivo da pesquisa em detrimento de duas partes-chave do famoso e controverso tripé, ensino e extensão. O caminho traçado por Arantes, de virar as costas para a universidade e atirar-se sobre os movimentos sociais, ainda que embutido de espírito de transformação, tem seus limites. O primeiro é a postura de que “ir para” os movimentos sociais seria, em si, um fermento para uma nova “revolução cultural”. As obras de Arantes dos últimos anos tem expresso importante dose de concessão à academia conservadora no que se refere à importância da classe trabalhadora. Fazendo eco com o pós-modernismo, Arantes desconsidera que o papel na produção seja relevante para uma profunda transformação social. Logo, o movimento operário é visto muitas vezes como “mais um movimento social”, dentre tantos outros. Nesse marco, parte considerável do conteúdo da visão de Arantes está embutida de um gosto pelo pós-modernismo que se deixou levar pela falta de reação do movimento operário frente aos anos de neoliberalismo que, em sua visão, seguem até hoje. A única saída para os estudantes é, portanto, “ir para os movimentos sociais”, de maneira resignada....
Em nossa opinião, “ir para os movimentos sociais” deve acontecer através de uma combinação, dentre outras questões, da luta pelo marxismo como ferramenta de interpretação científica da realidade (algo que não esperamos que seja reivindicado por Cohn, mas que sequer foi mencionado por Arantes), a ciência da revolução social, contra a academia (que exerce enorme influência ideológica sobre a nação e, claro, sobre a grande massa dos estudantes), aliado com seu potencial revolucionário, e ligar-se às lutas da classe trabalhadora e do povo pobre e oprimido desde uma perspectiva de radical transformação social, desde uma perspectiva portanto revolucionária. Arantes deixou claro que o movimento social, por excelência, é o MST. Ligar-se ao MST[3], por fora de uma compreensão do que significa seu atrelamento ao governo Lula, sua política de respeito à terra produtiva (ainda que na mão de grandes empresas nacionais e internacionais) não pode ser suficiente para fermentar mudanças mais profundas. Estas ocorrerão com a atuação daqueles que exercem papel central na produção em aliança com o povo pobre e oprimido; não com a direção do MST, mas com as milhares de famílias que buscam um pedaço de terra neste país do latifúndio. Portanto, não basta somente ir aos movimentos sociais: é necessário combater teoricamente a burguesia, aportar para que a classe trabalhadora exerça papel decisivo na definição dos rumos do país[4], lado a lado com aqueles que buscam terra e com o povo pobre e oprimido[5].
Cohn terminou sua aula dizendo que “isso aqui (a universidade) tá muito bom”, tem alguns problemas de infra-estrutura, mas “vocês tem sorte que isso aqui tá muito bom”. Nada mais típico de um ex-diretor de gestão recente da faculdade... Arantes, importante intelectual de esquerda, finalizou com o termo de intelectuais precarizados, na busca de virarem as costas para a “ditadura do lattes”. Cremos que a realidade exige mais ousadia dos estudantes, que entraram para a vida adulta no momento da pior crise econômica desde os anos 30. Não podemos nos contentar em sermos “resignados”... A luta pelo marxismo, brutalmente atacado desde a ascensão da burocracia stalinista ao poder da URSS – mas que dá um salto no segundo pós-guerra – exige outra localização, que saiba se aproveitar do momento histórico atual e busque se fusionar de forma revolucionária com o movimento operário, apoiando ativamente as lutas e demandas do povo pobre e oprimido[6].



[1] Nesse marco, a fragmentação das Ciências Sociais à qual nos referimos é um primeiro passo em direção à pesquisa, nas Humanidades, atrelada direta ou indiretamente aos interesses do capital. Basta sair da FFLCH, cruzar a avenida e entrar na FEA, a rainha das fundações privadas, para perceber que Arantes está coberto de razão. O que dizer então das pesquisas na área de biologia, como o projeto Genoma? Um de seus primeiros resultados, vários anos atrás, aclamado pela academia nacional e internacional, objeto de diversas matérias na imprensa, foi a descoberta de uma maneira de prevenir, via modificação genética, o efeito de um parasita no cultivo de laranja. Desnecessário dizer que o grande objetivo era ajudar os grandes plantadores de laranjas, principalmente no estado de São Paulo, que frequentemente se enfrentam e assassinam membros do MST no Pontal do Paranapanema, uma das regiões de maior índice de violência agrária no País.

[2] Aqui discutimos não entrarmos no que Arantes considera como relação orgânica. Aprofundar a compreensão entre a intelectualidade e o Partido dos Trabalhadores, tanto no bojo de sua formação quanto ao longo dos últimos 30 anos, e obter uma visão profunda sobre o tema, é fundamental. No momento, basta dizer que Arantes considerava, por exemplo, Marilena Chauí como um exemplo dessa relação entre partido e academia: mesmo que jovem no trânsito acadêmico, possuía, para Arantes, uma força de diálogo com os trabalhadores e o povo que nenhum outro intelectual possuía. Essa opinião, vulgarmente expressa aqui se encontra em Zero à Esquerda. Já Marilena Chauí, sob o impacto do “novo sindicalismo” dedica importantes estudos sobre a situação do movimento operário e social no final dos anos 70, e incapaz de responder às consequências da burocratização da URSS sob o regime de partido, acabou por ecoar o vulgar senso-comum de que partido leninista, assim como a tomada violenta do poder, são elementos que carregam em si o gérmen da burocratização. Fê-lo, porém, através da enérgica defesa da forma organizativa e da diretriz política do nascente PT. 25 anos depois, o mensalão e o silêncio.

[3] Além do MST, Arantes faz referência ao MTST. Nos limitamos a discutir com o MST pois foi predominante na fala de Arantes.

[4] Não através do Orçamento Participativo como Arantes fez, ao tirar da cartola essa política do PT que o próprio partido retirou dos holofotes, dada a farsa que é.

[5] Arantes enxerga no “pobretariado” papel decisivo na transformação social. É fundamental que o movimento operário responda à suas demandas, mas vemos aqui um Arantes resignado frente à realidade e, ao separar o papel na produção da política a ser exercida (ecos pós-modernos, quem poderia negar?), confere, em certo ar desiludido, importância que esse setor social, por si só, não pode alcançar.

[6] Fazendo parte da luta com os trabalhadores de dentro da universidade –efetivos e terceirizados! – e com os que se encontram fora da universidade. Para mencionar somente uma das últimas ações do Movimento A Plenos Pulmões – que acreditamos devem ser seguidos pelo conjunto do movimento estudantil combativo –, durante as últimas semanas, a APP e a Iskra estiveram ao lado dos trabalhadores da Philips de Mauá, em sua luta contra o fechamento da fábrica, discutindo diariamente sobre a resposta à situação e aportando, na medida de nossas forças, para desmascarar o sindicato da Força Sindical, que só se interessava em negociar sua fatia do bolo com a patronal.


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