segunda-feira, 22 de março de 2010

A terceirização escraviza, humilha e divide

Heber Rebouças

A terceirização do trabalho “surge”[1] nos Estados Unidos, logo após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento acelerado das indústrias que tinham que concentrar a sua produção em armamentos – atividades consideradas essenciais – e passaram a delegar algumas atividades – atividades de suporte à produção armamentista – a empresas prestadoras de serviços (este fenômeno ganhou rapidamente destaque no cenário internacional, sendo adotado, em maior ou menor medida, por todas as grandes empresas). No Brasil, a terceirização do trabalho chegou à década de 1950 junto com as grandes indústrias automotrizes que com o discurso de qualidade, agilidade e eficiência, introduziram o conceito de se dedicar apenas à essência do negócio, neste caso, a montagem de veículos, sendo as demais atividades[2] transferidas a terceiros, inclusive a produção de peças[3]. Cabe destacar que a técnica da terceirização do trabalho começou a avançar no Brasil com maior intensidade no final dos anos de 1980 e início de 1990 (este período é marcado por inúmeras transformações, dentre elas: a redução, por parte do Estado, com os gastos sociais [saúde, habitação, educação, etc.], a abertura econômica, a aceleração das privatizações [são exemplos: o Programa Nacional de Desestatização instituído no governo Collor e o Conselho Nacional de Desestatização instituído no governo Fernando Henrique Cardoso]), a desregulamentação e flexibilização do mercado de trabalho e das relações de trabalho, o desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, cujos impactos foram e continuam sendo: o aumento dos índices de desemprego, a estagnação ou depreciação nos salários dos trabalhadores, a concentração de renda, – e, por conseguinte, o aumento da desigualdade social – o aumento do trabalho informal, temporário, precário, terceirizado, etc. Todos estes elementos, aqui brevemente sintetizados, refletiam as transformações iniciadas com a crise estrutural do capital em meados da década de 1970, cujos contornos observados no campo econômico ficaram conhecidos como reestruturação produtiva (toyotismo, ohnismo, acumulação flexível, entre outros) e no campo político-ideológico como neoliberalismo.

Pode-se dizer, portanto, e diante das transformações no mundo do trabalho, que o discurso hegemônico no meio empresarial – frente à crise iniciada na década de 1970 – tem como tema central a busca por competitividade, a sobrevivência e a necessidade de inserção na nova ordem globalizada da economia cuja técnica da terceirização do trabalho é apresentada como possibilidade de melhoria e desenvolvimento (seja no setor público e/ou privado, seja no setor industrial e/ou de serviços); sinônimo, assim, de modernização, eficiência, especialização, agilidade, ganhos em qualidade e produtividade. Entretanto, o que se observa, de fato, é algo absolutamente contrário a este modelo idealizado pelos grandes capitalistas e setores da burguesia nacional e internacional.

Decerto, terceirizar significa flexibilizar, flexibilizar significa precarizar, isto é, legalizar o ilegal; logo: terceirização significa precarização. São nefastas as medidas provisórias, os projetos de lei, as emendas à Constituição que retiram, sistematicamente, os direitos e flexibilizam os contratos de trabalho. Nesse âmbito, a terceirização do trabalho sempre se apresentou enquanto sinônimo de trabalho menos qualificado, trabalho sem registro em carteira (vínculos empregatícios que se tornam mais precários com o desenvolvimento das formas instáveis de contratação da força de trabalho), jornadas mais extensas, redução de salários, perda de benefícios (isto é, o não pagamento de férias, o não pagamento de adicional de insalubridade, entre outros), deterioração das condições de segurança, saúde e higiene no ambiente de trabalho, entre tantos outros elementos - como o assédio moral, a perda do respeito, etc.

Ademais, a terceirização do trabalho aparece não somente no plano econômico como forma de redução de custos, como observado acima, mas também enquanto estratégia política, à medida que institui uma fragmentação objetiva e subjetiva entre os trabalhadores de “segunda categoria” (os trabalhadores terceirizados), que se distanciam dos trabalhadores de “primeira categoria” (os trabalhadores efetivos). Fragmentação objetiva frente à inviabilidade de participação e atuação conjunta com os trabalhadores efetivos em greves e assembléias, diminuindo, assim, a força política desses trabalhadores; e a fragmentação subjetiva frente ao próprio não reconhecimento diante de seus pares, isto é, dos trabalhadores efetivos. Desta forma, a terceirização do trabalho contribui, decisivamente, para dissolver qualquer identidade de classe.

Neste cenário, é fundamental lutar pela unificação das fileiras da classe operária, isto é, lutar, como primeiro passo, pela imediata efetivação dos trabalhadores terceirizados. Especialmente, tendo clareza de que o trabalho é central no processo de produção de mercadorias, e que a classe operária é a única classe capaz de tomar em suas mãos o rumo da história, tornando-se o sujeito capaz de varrer o velho e criar o novo.

ANEXO:

Tipos mais comuns de terceirização do trabalho[4]:

1 - Trabalho doméstico ou trabalho domiciliar – com a subcontratação de trabalhadores autônomos em geral, sem contrato formal, prática mais recorrente nas empresas dos setores mais tradicionais da produção industrial;

2 - Empresas fornecedoras de componentes e peças – é a subcontratação na forma de rede de fornecedores, que produzem independentemente, isto é, que têm a sua própria instalação, maquinaria e mão-de-obra, embora sua produção esteja voltada, quase que exclusivamente, para as grandes empresas contratantes;

3 - Subcontratações para serviços de apoio – é a subcontratação de empresas especializadas, prestadoras de serviços realizados, em sua maioria, no interior das plantas das contratantes;

4 - Subcontratações de empresas ou trabalhadores autônomos nas áreas produtivas/nucleares – neste tipo podem ocorrer sob duas formas: a) realização do trabalho no interior da planta da contratante, e b) realização do trabalho fora, na empresa contratada;

5 - Quarteirização – empresas contratadas com a única função de gerir os contratos com as terceiras.



[1] As pequenas e médias empresas sempre utilizaram serviços de terceiros para suprirem as suas carências. Portanto, a técnica da terceirização do trabalho não traz nenhuma novidade quanto a sua essência; o seu destaque ganho contornos, na atualidade, em função de sua intensidade e dos novos tipos de contratação e utilização do trabalho terceirizado.

[2] Entre elas: serviços de limpeza, jardinagem, vigilância patrimonial, refeitório, etc.

[3] Inicialmente o discurso apresentado foi o de que tudo aquilo que não era atividade essencial/ atividade-fim de uma empresa poderia e deveria ser transferido para terceiros, isto é, para empresas prestadoras de serviços responsáveis, a partir de então, pelas atividades de suporte/atividades-meio da empresa contratante. Contudo, e apegando-se nesta nebulosa distinção do que é atividade-fim e atividade-meio de uma empresa, rapidamente as atividades ditas essenciais foram também transferidas às empresas prestadoras de serviços, isto é, foram também terceirizadas.

[4] Druck, Maria da Graça. Terceirização: (des)fordizando a fábrica. São Paulo: Boitempo, 1999, p. 157.


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