terça-feira, 18 de maio de 2010

União Européia, alternativa ao capitalismo selvagem dos EUA e da China ou reação em toda linha?

Por Leonardo Rodrigues
Em sua última coluna semanal na Folha de São Paulo (11/05), o filósofo Marcos Nobre –conhecido expoente nacional da Teoria Crítica – pretendeu, ainda que sinteticamente, buscar a essência do “ousado” projeto da União Européia, hoje tão em pauta por conta da crise histórica que atravessa (trata-se do artigo Quanto vale um capitalismo?). Virou, revirou, tornou a virar e não encontrou nada. Esqueceu-se de que a UE não tem pernas próprias e, portanto, não pode ir sozinha às prateleiras.

Não tiramos o mérito do filósofo ao descobrir que a UE, a partir do euro, “teve a ambição de ser contraponto à hegemonia mundial solitária dos EUA a partir dos 1990”, entretanto, esta de pouco serve para a compreensão da realidade – portanto crítica, que supera a aparência - em linhas tão gerais, principalmente se complementada como se seguiu “mas pretendeu sobretudo defender um modelo de capitalismo que seria próprio da Europa”, “não que seja o Paraíso na Terra, evidentemente”. Veremos, entretanto, que só podemos concluir que para o autor, ainda que não seja o próprio, é o que há de mais próximo ao Paraíso na Terra. Sigamos.

Nobre tenta enxergar com lentes divergentes o que está sob seu nariz – ou reconhecidamente utilizasse da ideologia burguesa para ser “crítico” a um projeto burguês. Intrínseco ao modo de produção burguês são suas fronteiras nacionais, a defesa incondicional pelos Estados burgueses de suas próprias burguesias nacionais. Mas essa defesa auto-indicada de todas as burguesias nacionais se dá de maneira combinada com a penetração da forma capitalista na produção a nível internacional; os interesses de cada burguesia nacional em particular se fundem e sobrepõem-se quando se trata da proteção de classe vergada sobre o capital, proteção essa especialmente intensa nos momentos de estouro da crise estrutural da economia. Esse modo de produção capitalista (unidamente a seus mecanismos de especulação financeira) impera num âmbito mundial como campo único, entrelaçando-se de todos os lados, com os países imperialistas centrais estando de posse da porção de fios mais importante dessa trama. É nesse marco que afirma Trotsky, com correção dialética: “Os traços específicos da economia nacional, por maiores que sejam, compõem uma realidade superior que se chama economia mundial, na qual o internacionalismo dos partidos comunistas tem seu fundamento em última instância”.
Mas se nem todos “podem ser Alemanha ou Suécia”, como se deleita Nobre, nem todos são capazes de apalpar e sentir os fatos pelas luvas do materialismo. É o caso de Nobre, que reduz a unidade do antagônico à identidade imediata dos antagonismos. Nem de perto a UE pode se configurar como um capitalismo “próprio da Europa”, uma espécie de capitalismo de estofo diferenciado, mais requintado em relação a seus pares, ou ainda, uma “democracia supranacional” – a superação dos Estados nacionais só seria possível sob outra lente, a da União dos Estados Socialistas da Europa.

Trata-se, exatamente, de um projeto reacionário de maior espoliação dos imperialismos menores e dos países mais atrasados da Europa por parte de suas principais potências, principalmente Alemanha e França. Se antes era difícil perceber isso, já que seus métodos analíticos pouco dialéticos não os permitem chegar à essência, a crise nos coloca a realidade a olho nu. Basta ver como, diante da decadência capitalista que agora pega de cheio a Europa, a Alemanha se descentraliza em relação à UE e se torna cada vez mais gerente dos interesses burgueses próprios, cada vez mais imperialista, e resolve os problemas europeus sob sua conveniência (vide o esforço para a aprovação do pacote de “ajuda” à Grécia – trataremos mais seguidamente). Se nem todo país é Suécia e nem Alemanha, nunca poderão ser, do ponto de vista burguês. É justamente o inverso, só podem se tornar cada vez mais dependentes e mais semi-colonizados – para ficar na crítica mais direta deste ponto, sem tocar no possível anseio de Nobre de que todos fossem como a Alemanha ou a Suécia, o que não constitui nada mais distante do marxismo.

Não bastassem tantas confusões, nosso filósofo insiste em seguir seu caminho. Que há mais próximo ao Paraíso na Terra que “um modelo baseado na proteção social para quem vive do trabalho” (releia nosso grifo dez vezes e lembre-se que se está tratando da União Européia!) ou um projeto “que pretende aliar democracia supranacional com coisas básicas, como poder sair à rua sem temer pela própria vida”? Novamente, nada mais distante da realidade européia que Marcos Nobre.

As lentes de bordas delgadas não o permitem analisar os dados, que estão em todos os jornais diários. Onde se reporta que 4,6 milhões de seres humanos estão desempregados na Espanha (mais de 20% da população, cifra em ascensão), Nobre lê: Proteção social para quem vive do trabalho. Para não falar da metade da mão-de-obra empregada, que é extremamente precarizada, por via da terceirização, da flexibilização dos contratos trabalhistas, do subemprego, do emprego temporário, etc. De quem nunca abriu a boca para denunciar e combater a terceirização com a qual convive diariamente em seu local de trabalho, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, onde leciona Nobre, não esperávamos que enxergasse a terceirização e o trabalho precário na Espanha; e as leis anti-imigrantes (xenófobas) aprovadas na Itália? Pode-se "sair às ruas sem temer pela própria vida" em Berlim, por exemplo, num marco de escalada dos atos e contra-atos dos neonazistas? Quanto ao segundo capítulo da crise econômica internacional: e as medidas de ajuste exigidas pela UE à Grécia e à Espanha (até agora), que reduz salários, direitos e desemprega? Na Grécia, com o fim das férias pagas para empregados públicos e aposentados, além do prolongamento da idade e dos anos de cotização para uma pensão até 18% inferior às atuais para os novos aposentados a partir de 2011? E o aumento de mais 53 mil desempregados no Reino Unido, somente entre janeiro e março, que totaliza mais de 2,5 milhões de desempregados (o maior número desde 1994), parte considerável dos quais (941,000) se acumula entre a juventude precarizada?

Entre tantos outros exemplos do que Nobre continuará lendo: “Proteção social para quem vive do trabalho”.

Sr. Nobre, acaso é um “pesadelo imaginar que a grande crise do neoliberalismo alucinado dos anos 1990 acabará por puxar para o túmulo também o projeto de um modelo social de âmbito europeu”? O capitalismo europeu é a alternativa aos modelos capitalistas dos EUA e da China? Com certeza não é a alternativa para os trabalhadores. Só pode ser, desde esta perspectiva, reação em toda linha, como dizia Lênin da fase imperialista do capitalismo, que segue em voga na ordem mundial e também na Europa. A única alternativa real é a superação do capitalismo, seja ele qual for, seja qual for o nó no mapa mundial que se quiser frisar do emaranhado anárquico do capital, só podendo ser superado pela força cunhada de um só punho por todos os trabalhadores europeus e de todo o mundo.

O pesadelo que fique a cargo dos burgueses, ao verem os trabalhadores gregos apontarem o caminho para toda a classe operária mundial. Viva a luta dos trabalhadores gregos! Viva a revolução Internacional! Abaixo o marxismo acadêmico!

Rotatividade e terceirização do trabalho nas universidades: alguns exemplos práticos

Por André Augusto
É comumente sustentado nos diários públicos neoliberais que a separação entre trabalhadores efetivos, terceirizados e temporários é uma reação justa contra o espírito frívolo que julga poder-se unificar interesses de setores de categoria numa categoria só, ou de camadas de classe numa só classe. A popularidade dessa visão está na razão inversa de sua veracidade. De fato, o pensamento neoliberal teve apenas um produto, cujo caráter essencial é a frivolidade, e esse produto frívolo exclusivo é a visão reacionária de que condições de vida semelhantes não se envolvem.

A década de 1990 no Brasil marcou um momento de ríspida implementação do neoliberalismo que, entre outras questões, tinha na flexibilização das leis trabalhistas, nas formas instáveis de contratação da força de trabalho e na terceirização, três eixos centrais de sua política. Este fenômeno serviu para cumprir dois requisitos do capital que tentava na época se reescrever após o estouro da crise de sobre-acumulação da década de ‘70: a precarização do trabalho e a divisão da classe trabalhadora, que passa a não mais se enxergar enquanto um corpo só.

As anunciadas vantagens da flexibilização do trabalho são apenas uma pintura flamenga muito suja e convenientemente inventada do estado de coisas real. Nas universidades, esse processo se verificou de forma bastante profunda, levando ao aumento do número de funcionários terceirizados em detrimento do funcionalismo contratado via concurso público. Assim, em decorrência, vemos hoje na Unicamp – mas também no conjunto das universidades, públicas e privadas – o completo domínio de algumas empresas de terceirização sobre setores fundamentais da universidade e que, a fim de maximizar seus lucros, esgoelam salários de miséria aos trabalhadores e oferecem, em geral, um serviço de baixa qualidade. Um exemplo disso é exatamente a inundação da biblioteca no ano passado, fruto das obras mal-versadas da empresa terceirizada que agora – pasmem – faliu. Outro notável, são os constantes vazamentos no ar condicionado da nova sede do Arquivo Edgard Leuenroth; aquele, instalado também por uma empresa terceirizada, segue colocando em risco o precioso conteúdo desse rico arquivo do movimento operário.

Mais exemplos? Sim, temos!

Hoje há apenas um funcionário no IFCH para trabalhar no setor de manutenção em todo o período da tarde e da noite, sendo obrigado a cumprir uma jornada extenuante executando um trabalho que, até 5 anos atrás, era cumprido por 4 pessoas. Isso é o reflexo puro da falta de contratações e de como a política de terceirização é também acompanhada do sucateamento do funcionalismo público. A falta de contratações é também o que explica o fato de existirem menores de idade trabalhando na Unicamp, ganhando miseravelmente pela sua jornada de 8 horas, que são os patrulheiros: jovens da periferia da cidade que, depois de um treinamento quase militar, prestam serviços para diversas empresas e estabelecimentos ganhando quase nada!

Recentemente vimos mais um conflito se abrir em relação a essas empresas terceirizadas: os trabalhadores da empresa terceirizada que fazia as obras de expansão da biblioteca, corretamente indignados com o atraso salarial de quase duas semanas, bloquearam a saída de um caminhão da empresa do canteiro de obras, afirmando que só o liberariam após o pagamento dos salários em atraso. A truculência da advogada da empresa, que chamou a polícia para dentro do campus e abriu um Boletim de Ocorrência contra os trabalhadores envolvidos no conflito, foi o que permitiu que o caminhão fosse liberado; mas saudamos a iniciativa desses trabalhadores que se rebelaram frente ao atraso de seus já tão baixos salários.

Não podemos aceitar inertes essa situação, que continua a enlamear cada rincão da Unicamp que a força de trabalho dos terceirizados limpa com suor! O folgazão já não gastará em orgias o que mãos trabalhadoras ganharam. Os estudantes do IFCH devemos dizer basta, tanto à intromissão das empresas de terceirização na Universidade – e à avareza desse mecanismo vivo de corrupção que só cede à voz da religião e do dízimo –quanto à insistente cumplicidade da reitoria e da direção do IFCH nesse marco, direção esta que sequer se dignou até agora a responder a carta que o Grupo de Trabalho sobre a Terceirização entregou à diretora no ato realizado há semanas! Certamente rogam que a terceirização seja uma maldição terrível, mas como toda maldição, deve-se buscar aplacá-la com orações e desejos piedosos! Sempre clamando de indignação para demonstrar seu apego à justiça, à legislação dos ricos, e ao ideal da democracia. Sobretudo quando estes três arroubos espirituais não ocasionam custo algum.

Um exemplo importante a ser seguido sobre essa questão – na contramão desse soneto de bendições – é o do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP) que há anos vem tomando em suas mãos a bandeira contra a terceirização e em defesa dos terceirizados das universidades, incluindo suas demandas inclusive na pauta de reivindicação das mobilizações dos trabalhadores efetivos, como ocorre na greve que neste momento ocorre entre os funcionários das estaduais paulistas. Esta greve, vale ressaltar este parêntese, deve receber nosso amplo apoio, na perspectiva da importância da aliança estrategicamente necessária entre estudantes e funcionários na luta pela transformação radical da universidade – é nesse marco que reivindicamos as iniciativas de um setor do CACH de incorporar e construir o ato unificado que ocorreu na semana da escrita deste texto.

Se aqui no IFCH se discute muito em sala de aula o quanto a terceirização é um processo nefasto para o trabalhador, chegou a hora de aliarmos nossa teoria à prática e construirmos uma campanha séria contra a terceirização, instigando os professores do instituto a estruturarem as formulações de seus grupos de estudos sobre o mundo do trabalho, e a apoiar as campanhas dos estudantes do IFCH; tomando como exemplo a iniciativa que o CACH teve há cinco anos em ser, à revelia do próprio sindicato dos trabalhadores da Unicamp (STU), um dos principais protagonistas na defesa dos funcionários da Funcamp - fundação privada que utilizou diretamente dinheiro público para contratar funcionários e que, pela ilegalidade desse ato, acabou por demitir todos esses trabalhadores para regularizar sua situação.

Os diferentes setores de uma classe alcançam sua consciência de classe por caminhos diferentes e em ritmos diferentes. E a burguesia participa ativamente nesse processo. Dentro da classe trabalhadora, cria inclusive suas próprias instituições, ou utiliza aquelas já existentes, para opor certos estratos de trabalhadores a outros. Nós marxistas tomamos sempre a tarefa de explicar que sob o disfarce de “resolvermos nossos problemas em conjunto”, a reação burguesa esconde apenas os interesses da classe exploradora, e deriva sua força da separação política das grandes massas. Esse é o caso da maioria dos sindicatos, por exemplo, que negociam ataques com a patronal, trocam a demissão de funcionários contratados pela demissão de funcionários precarizados, aceitam a redução da jornada de trabalho sujeitando seus afiliados a uma redução correspondente nos salários, etc. Essa metodologia sindical perdeu inteiramente a possibilidade de melhorar a situação dos trabalhadores, e um exemplo cabal disso aconteceu há pouco na greve dos docentes da rede pública de ensino, docentes esses dirigidos pela burocracia morta da APEOESP.

Nesse marco, é imperioso, além de revitalizarmos os órgãos dos sindicatos enquanto armas de combate político da classe trabalhadora, exigirmos a unificação de todas as categorias de funcionários precarizados e terceirizados, inclusive dos setores desempregados, aos funcionários contratados, associando realmente as suas tarefas comuns. Redirecionando-nos à universidade, devemos batalhar unidamente com os trabalhadores terceirizados, que já constroem a universidade pública com suas próprias energias, pela sua imediata efetivação ao quadro de funcionários efetivos em todos os ramos das universidades.

Hoje, ainda fica mais evidente que o odor dessa sujeira sai para além dos muros da Unicamp: no momento em que se escrevem essas letras, há uma greve em andamento de faxineiras da rede municipal de Campinas, contratadas pela empresa terceirizada União – a mesma empresa responsável pela subcontratação de empregados terceirizados para faxina na USP em 2009, e que foi combatida na greve por perseguir trabalhadores e por assediá-los moralmente – e que mostra como, apesar da precarização, esses trabalhadores terceirizados também podem se organizar; e devemos ser o setor mais conseqüente em lutarmos lado a lado desses trabalhadores que, por terem pouco a perder além das cadeias, podem ter muita disposição de se rebelar!

Mesa com Domênico Losurdo na UNICAMP: A Linguagem do Império

Por Iuri Tonelo

Não é de hoje que sabemos que o marxismo acadêmico tem capitulado as mais diversas degenerações do marxismo. Em muitos aspectos, em cada uma das mesas da “esquerda acadêmica”, os revolucionários têm sido atacados, especialmente em sua maneira inconciliável de se relacionar com o capitalismo e a sociedade de barbárie vigente, mas também pela defesa incondicional do marxismo revolucionário, em analisar cada um dos grandes fenômenos à luz da luta de classes.

Essa problemática se expressou de maneira intensa na mesa realizada no dia 05/05 na UNICAMP, com a presença de Domenico Losurdo, conhecido filosofo italiano; além dele, estavam presentes Armando Boito, intelectual renomado preso ao último e resistente suspiro do althusserianismo na academia e, para nossa desgraça geral, também se fazia presente a figura de João Quartim de Moraes, conhecido filósofo stalinista.

A palestra estava centrada na temática do novo livro de Losurdo, intitulado A Linguagem do Império. Losurdo partiu, conforme uma tradição italiana na análise política, da divisão entre força e consenso (“ideologia”): de um lado, o dado de que 50% da produção bélica mundial se concentra nos EUA; por outro lado, a análise mais detida das diversas formas ideológicas da dominação estadunidense. Assim, Losurdo procura explicitar e inverter os jargões do imperialismo.

Conforme indica Losurdo, o chamado terrorismo, uma ação “individual” de destruição de massa, poderia ser fundamentado, não no Oriente Médio, mas antes nos próprios EUA, uma vez que nesse entendimento a destruição de Hiroshima e Nagasaki seria a grande ação terrorista no século XX. Outro termo do léxico norte-americano e imperialista, o fundamentalismo, teria nascido nos próprios EUA, baseando as ações ético-políticas da sociedade nos fundamentos do cristianismo e, nesse sentido, nenhum pais tanto quanto os EUA teria uma conexão tão íntima entre religião, moral e política. O anti-americanismo, tão deslegitimado pelos EUA como expressão do nazi-fascismo ou da esquerda radical, seria muito mais uma expressão da intolerância de alto grau ao imperialismo, uma vez que poucos reivindicaram tanto a política de um Estado de exclusão racial, conforme foi por séculos o Estado norte-americano e que mantém seus estigmas, quanto os nazistas (o próprio livro de Hitler, Minha Luta, reivindica essa “qualidade” dos EUA). Além desses pontos, Losurdo ainda analisa a passagem do Estado racial de exclusão dos negros para a discriminação direta do islamismo, outro ponto abordado por ele.

Toda essa discussão, a despeito de não se analisar concretamente a questão à luz da luta de classes, apresentava a necessidade de um questionamento da potência americana, acertando Losurdo em terminar sua palestra colocando essa pesquisa em favor da luta antiimperialista.

A parte mais complicada ficou para o debate. A primeira grande questão estava baseada nos termos da palestra: para Losurdo, o totalitarismo seria uma das terminologias da linguagem do império, uma vez que enfatiza a vinculação entre o nazi-fascismo e a URSS stalinista, e não a vinculação entre o nazi-fascimo e o Estado racial dos EUA, que seria o grande fundamento de igualdade entre os dois, segundo Losurdo. Trata-se, no mínimo, de um erro crasso. O processo de burocratização na URSS e o subseqüente Termidor foram o início da vitória da burocracia sobre as massas, ou seja, a vitória de uma camada descolada do poder operário, da democracia de base, dos soviets e do processo que conformou o Estado operário. Esse processo foi avançando gradualmente, perseguindo toda a vanguarda revolucionária de Outubro; a repressão aumentava e mudava-se o caráter da burocracia, cada vez mais implacável. Do Termidor passamos ao Bonapartismo stalinista; do bonapartismo ao totalitarismo. Aqui também se faz notável a máxima da Lógica de Hegel: “mudanças quantitativas, a partir de certo ponto, tornam-se mudanças qualitativas”. O totalitarismo foi a fase mais avassaladora desse processo de repressão e falta de democracia. Assim, indicava Trotsky, já em 1935, antes dos processos de Moscou:

Da democracia no partido, nada mais resta do que a memória da velha geração. Com ela, a democracia dos soviets, dos sindicatos, das cooperativas, das organizações esportivas e culturais volatilizou-se. A hierarquia dos secretários domina tudo e todos. O regime adquirira um caráter “totalitário” alguns anos antes que o termo nos viesse da Alemanha. (Trotsky, A Revolução Traída, cap. 5)

Assim, não colocando um sinal de igual entre Alemanha e URSS, por questões lógicas que diferem o Nazismo de um Estado Operário degenerado, podemos encontrar uma semelhança brutal na forma com a qual o Estado atacou a auto-organização dos trabalhadores e todos os traços de contestação revolucionária naquelas sociedades. Voltando a palestra de Losurdo, soa-nos agora pecaminoso dizer que “totalitarismo” é um termo meramente ideológico, como o fez o marxista italiano. Fechada essa base extremamente problemática que Losurdo ofereceu em sua palestra, ficamos com o sentido positivo antiimperialista para atacar o que houve de degenerado na mesa.

*
O problema maior residiu no fato de que a tal parte extremamente problemática da fala de Losurdo foi utilizada por Quartim de Moraes para aprofundar sua perversão do marxismo: perguntava Quartim “como relacionar o Nazi-fascimo e a URSS [stalinista!!], só porque tinham um partido único? Para vocês verem como é ideológica essa terminologia de totalitarismo”. A que ponto chegam os stalinistas para defender a chacina generalizada de todos os setores revolucionários da URSS! Como não chegar, enfim, à conclusão de que a cabeça normal de um stalinista “educado” é uma lixeira na qual a história joga de passagem a casca e os detritos de suas diversas realizações?

Mas o ponto alto dessa “burocratização da mesa” foi a ênfase geral de Quartim para que não se “fizessem intervenções, nem lessem manifestos, nem expressassem posições políticas, mas apenas que se fizessem perguntas”. Do alto de sua autoridade de estar na mesa da atividade, esse stalino tirava todas as possibilidades de que interviéssemos com nossos anseios de uma juventude inconformista e revolucionária.

Enfim, não pudemos discutir o marxismo nos termos corretos, revolucionários, nem mesmo expressar nossos anseios de nos ligarmos aos processos de luta de trabalhadores nas universidades, como se apresentam agora os trabalhadores da USP e logo da UNESP. Fazemos dessa nota, em vista disso, nosso suspiro da juventude igualmente antiimperialista, mas que reconhece com clareza os inimigos íntimos da classe operária: o imperialismo (traduzido em fascismo e democrático-burguês), por um lado, e o stalinismo, por outro.

Que nossa geração enterre os seus mortos; que a juventude combata a burocracia na universidade, porque a máscara desses velhos stalinistas já caiu, e a juventude já não semeia nenhuma ilusão nessa bandeira stalinista de sangue – esta só representa o retrógrado; e como sabemos, a juventude adotará a bandeira daqueles que oferecem um futuro.

Na atividade do “socialismo em geral”, ficamos com Lênin

Por André Augusto e Tatiana Gonçalves.

No último dia 27 de abril, no auditório do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) realizou uma atividade de lançamento da pré-candidatura de José Maria de Almeida. A mesa foi composta pelo professor aposentado do IFCH, Edmundo Dias; pelo professor do CEFET, Valério Arcary; pelo professor do IFCH Álvaro Bianchi, e Zé Maria.

Ressaltamos a importância da realização de atividades da esquerda que se reivindica classista e revolucionária, não apenas no que tange aos momentos de eleição, mas principalmente com intuito de expressar as lutas operárias, em espaços tão elitizados como as universidades públicas de São Paulo, auxiliando a soldagem da aliança operário-estudantil. O auditório estava lotado, em que se expressaram os setores trabalhadores como petroleiros, metalúrgicos, professores; além de um amplo setor de estudantes do instituto que se interessam pelo debate que as alas da esquerda se propõem para combater a direita nas eleições.

Edmundo Dias limitou-se a traçar um panorama emotivo da trajetória sindical de Zé Maria, reivindicando sua própria luta e encorajando os presentes – se bem que mais através de desejos piedosos do que da aplicação de uma vontade política consciente e organizada, o que amortiza à metade o efeito de sua intervenção – a lutar pela mudança radical da universidade pública e também contra a burocracia.

Álvaro Bianchi, com o papel de mediador na discussão, citando sua amizade cordial e sua confiança no candidato socialista Zé Maria – quase não pôde fazer algo mais que isso. Porém, teve a iniciativa de contribuir com a dúvida geral da audiência que se debatia em incerteza, durante toda a comunicação, sobre o significado da palavra “socialista”, tão vastamente evocada. Bianchi elucidou: “O socialismo não é um nome próprio, mas um nome coletivo”.

Depois dessa síntese poderosamente esclarecedora, foi a vez de Valério Arcary, que não teve pudores em alugar os ares por mais de trinta minutos (falando inclusive mais tempo que o pré-candidadto), sobre temas tão diversos como a revolução portuguesa de 1974, o emprego de garçonete na Carolina do Sul, o horário eleitoral na televisão dedicado à esquerda e o queijo e o azeite gregos, demonstrando a habilidade incomum e a sagacidade de ligá-los todos, com a firmeza que essa variedade de termos permitia, à crise econômica que estoura em seu segundo capítulo na Grécia. O tom irônico e pedante que pautou toda a sua intervenção destoou do importante esforço feito pelos militantes do PSTU de Campinas em expressar seus setores operários no seu debate (manifesto no nariz torcido de Zé Maria enquanto Arcary intervinha). Fica claro, portanto, que sua fala foi o ponto baixo da atividade.

Depois vieram as perguntas do plenário. Distinguiram-se dois tipos de intervenção: em primeiro lugar, as “dúvidas” de militantes e dúvidas de contatos operários, estes sim dúvidas reais, do PSTU, sobre a dificuldade de fazer campanha num movimento operário tão influenciado pelo lulismo; em segundo lugar, as intervenções das demais organizações políticas ali presentes, compostas pela LER-QI, pelo PSOL/Enlace e pelo PCB. O PSOL ligou ao PSTU uma posição rupturista com a antiga frente de esquerda; questionavam porque agora que conseguiram emplacar a candidatura de Plínio o PSTU não teve acordo em travar a aliança; o PCB interveio dizendo que não havia acordos programáticos entre eles e o PSTU, e por isso não estavam juntos. Nós da LER-QI encaminhamos nossas intervenções levantando a questão da Frente de Esquerda de 2006 e 2008 e as contradições com aquela frente, e perguntando qual o balanço do PSTU sobre esta frente e se, ao não dar a batalha no passado contra o PSOL e em favor da mais irrestrita independência de classe, contribuiu para que a esquerda estivesse hoje mais debilitada frente ao lulismo.
Além disso, pautamos a questão de Cuba, ressaltando a sua importância hoje (inserindo a polêmica que o PCB fez com a LIT) e defendendo as conquistas sociais da revolução cubana frente ao bloqueio imperialista e à tentativa de reorganização da direita política na ilha no intuito de rematar com chave íntegra a restauração capitalista, já iniciada pela burocracia castrista incrustada nesse Estado operário deformado, mas que só se manifesta dentro das conseqüências sociais favoráveis ao povo pobre e à classe trabalhadora que impregnam a memória dos cubanos. O retorno do capitalismo a Cuba só se pode dar através de um golpe contra-revolucionário claro e irrefutável.

Ainda relacionamos uma fala centrada na questão da terceirização (como é importante um candidato responder a isso) e ferozmente contra o PSOL, aludindo ao fato de que Heloísa Helena havia votado a favor da Reforma da Previdência, corrigido no sentido de que os deputados do PSOL foram os que o fizeram.

A ausência, na generalidade, de um debate convictamente internacionalista foi tão gritante a ponto de um militante do PSTU, desde o plenário, ter de apontar a inexistência do importante debate sobre o Haiti em todas as intervenções da mesa; aliás, não fosse a seção de perguntas a Zé Maria, em que nós da LER-QI o interpelamos no sentido do posicionamento internacionalista para a resolução de questões internacionais, este ou qualquer outro não se teria dignado em sequer citar a questão da revolução cubana, que Zé Maria, ao cabo, se mostrou incapaz de responder a não ser declarando que as posições do PSTU eram de que o capitalismo já estava restaurado na ilha, mas que “era importante aprofundar o debate”. O PCB asseverou ainda uma vez, quanto a Cuba, o seu legado stalinista e burocrático, defendendo que não podemos criticar tçao severamente a burocracia castrista, a política reacionária de partido único e toda a fonte histórica da qual derivamos (referindo-se à cristalização das seções da burocracia stalinista em diversos países do mundo, no que erra contundentemente: os trotskistas somos herdeiros diretos e vivos de mais de 150 anos de teoria e práxis revolucionárias na linha do marxismo em luta inveterada contra as posições mortas e criminosas do stalinismo).

Sobre a Frente de Esquerda do PSTU com o PSOL em 2006, Zé Maria confessou que fazem “um balanço positivo sobre ela”. Aqui, devemos relevar que, em que pese a medida importante do PSTU de chamar uma candidatura independente do PSOL, isso só se deu como resultado de um longo período de negociações frustradas com o último, negociações que foram sempre prioritárias. Zé Maria disse que não se concluiu uma nova Frente por diferenças programáticas importantes, que tornaram impossível a Frente. Devemos perguntar, a partir disso, qual a diferença substantiva entre uma Frente com Heloísa Helena (que o PSTU apoiou por ocasião do “capital eleitoral” disponível) e uma Frente com Plínio de Arruda Sampaio, do ponto de vista do programa de conjunto do PSOL, sendo que ambos aceitam patrocínio privado, com a ressalva de ser através de pessoas jurídicas ou pessoas físicas, respectivamente.

Uma idéia, conquanto estrategicamente correta, torna-se uma falsidade, e até uma falácia, se não for traduzida na linguagem da tática; da mesma maneira e combinadamente, todas as operações táticas isoladas devem convergir para uma perspectiva estratégica correspondente que conduza os esforços dos trabalhadores à vitória. No caso do PSTU, a tática da eleição não foi entremeada com a dinâmica da luta de classes, servindo às lutas operárias e aportando com peso dirigente nelas, mas sim vinculada a uma propaganda abstrata e estéril de um socialismo em geral, incapaz de capturar o interesse da classe trabalhadora no sentido de nutrir uma postura política independente. O discurso do socialismo em geral se vincula inevitavelmente a demandas alheias à classe trabalhadora, como se expressa no recente programa de governo divulgado pelo PSTU no qual constam reivindicações, defendidos até pela Fiesp, como a redução da taxa de juros.

Em conclusão, apesar das faltas cometidas acima, enxergamos positivamente a apresentação de uma candidatura operária pelo PSTU, ao contrário do que expressava a candidatura de Heloísa Helena em 2006. Este tipo de candidatura, entretanto, deve estar em consonância real com o papel tático que os revolucionários enxergam nas eleições, utilizando esse momento como força motora adicional no incremento das mobilizações concretas que conduzem à compreensão comum, por parte da classe trabalhadora, de que as tarefas democráticas mais elementares que concernem a melhoria de suas condições de vida só podem ser conquistadas por uma só e mesma via: pela tomada do poder pelo proletariado mundial.

De tudo o que ficou exposto acima (e até o que se perdeu nos excursos incontáveis dos oradores) - entre o socialismo abstrato de Bianchi e os trinta minutos de queijo grego de Arcary, rejeitamos ambos; ficamos com o camarada Lênin:

Não à 'introdução' do socialismo como nossa tarefa imediata, mas apenas passar imediatamente ao controle da produção social e da distribuição dos produtos por parte dos soviets de deputados operários”. (“Teses de Abril”, 1917).

Essa fina ironia resume em um rasgo do espírito revolucionário coerente o que se tentou encontrar a duras penas em três horas de atividade.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Boletim Iskra - USP 2010 #1

Edison Salles


O jornalista Elio Gaspari, sem dúvida um dos mais inteligentes do país, se mantém coerente com sua linha de acompanhar os acontecimentos políticos da USP com lupa de burguês sensato: este domingo alertava o tucanato para, se for esperto, manter a polícia militar longe do campus do Butantã, agora que os funcionários da universidade aquecem os músculos para uma nova greve. Gaspari já vem fazendo sua parte no cerco que a mídia pró-tucana vem fazendo em torno do combativo sindicato da universidade... Desde o ano passado, tirava lições das intervenções desastradas da dupla Suely Vilela/José Serra, que contribuíram com sua truculência para soldar aqueles novos elementos de aliança de classe, entre trabalhadores e estudantes, que fizeram a USP entrar numa nova fase após 2007 e tanto preocupam os sanguessugas do patrimônio público que também atendem pelo nome de burocracia acadêmica.

Agora o senhor Rodas, político velhaco que é, mostra a que veio com sua fachada “dialoguista”: quebrou a isonomia dando aumento apenas para professores, e agora quer dobrar os joelhos dos funcionários sem dar nenhuma concessão, ameaçando descontar os dias parados antes mesmo de a greve começar.

O magnífico reitor-biônico de Serra é também jurista de cátedra, então sabe que o direito de greve está lá bem inscrito na Constituição dos ricos, até porque os trabalhadores brasileiros lutaram para tanto... Mas pelo menos assim se vê que quem “politiza” as greves da categoria são os desmandos dos portentosos como Rodas, que para fazer da USP um paraíso do capital não hesita em fazer da universidade uma “terra-sem-lei” para quem vive do suor do rosto... (enquanto isso, os terceirizados continuam trabalhando como semi-escravos, estudantes são agredidas pela guarda e os homossexuais sofrem com o descalabro daquela direitazinha estudantil que as “autoridades universitárias” tanto fazem para estimular...)

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