terça-feira, 18 de maio de 2010

União Européia, alternativa ao capitalismo selvagem dos EUA e da China ou reação em toda linha?

Por Leonardo Rodrigues
Em sua última coluna semanal na Folha de São Paulo (11/05), o filósofo Marcos Nobre –conhecido expoente nacional da Teoria Crítica – pretendeu, ainda que sinteticamente, buscar a essência do “ousado” projeto da União Européia, hoje tão em pauta por conta da crise histórica que atravessa (trata-se do artigo Quanto vale um capitalismo?). Virou, revirou, tornou a virar e não encontrou nada. Esqueceu-se de que a UE não tem pernas próprias e, portanto, não pode ir sozinha às prateleiras.

Não tiramos o mérito do filósofo ao descobrir que a UE, a partir do euro, “teve a ambição de ser contraponto à hegemonia mundial solitária dos EUA a partir dos 1990”, entretanto, esta de pouco serve para a compreensão da realidade – portanto crítica, que supera a aparência - em linhas tão gerais, principalmente se complementada como se seguiu “mas pretendeu sobretudo defender um modelo de capitalismo que seria próprio da Europa”, “não que seja o Paraíso na Terra, evidentemente”. Veremos, entretanto, que só podemos concluir que para o autor, ainda que não seja o próprio, é o que há de mais próximo ao Paraíso na Terra. Sigamos.

Nobre tenta enxergar com lentes divergentes o que está sob seu nariz – ou reconhecidamente utilizasse da ideologia burguesa para ser “crítico” a um projeto burguês. Intrínseco ao modo de produção burguês são suas fronteiras nacionais, a defesa incondicional pelos Estados burgueses de suas próprias burguesias nacionais. Mas essa defesa auto-indicada de todas as burguesias nacionais se dá de maneira combinada com a penetração da forma capitalista na produção a nível internacional; os interesses de cada burguesia nacional em particular se fundem e sobrepõem-se quando se trata da proteção de classe vergada sobre o capital, proteção essa especialmente intensa nos momentos de estouro da crise estrutural da economia. Esse modo de produção capitalista (unidamente a seus mecanismos de especulação financeira) impera num âmbito mundial como campo único, entrelaçando-se de todos os lados, com os países imperialistas centrais estando de posse da porção de fios mais importante dessa trama. É nesse marco que afirma Trotsky, com correção dialética: “Os traços específicos da economia nacional, por maiores que sejam, compõem uma realidade superior que se chama economia mundial, na qual o internacionalismo dos partidos comunistas tem seu fundamento em última instância”.
Mas se nem todos “podem ser Alemanha ou Suécia”, como se deleita Nobre, nem todos são capazes de apalpar e sentir os fatos pelas luvas do materialismo. É o caso de Nobre, que reduz a unidade do antagônico à identidade imediata dos antagonismos. Nem de perto a UE pode se configurar como um capitalismo “próprio da Europa”, uma espécie de capitalismo de estofo diferenciado, mais requintado em relação a seus pares, ou ainda, uma “democracia supranacional” – a superação dos Estados nacionais só seria possível sob outra lente, a da União dos Estados Socialistas da Europa.

Trata-se, exatamente, de um projeto reacionário de maior espoliação dos imperialismos menores e dos países mais atrasados da Europa por parte de suas principais potências, principalmente Alemanha e França. Se antes era difícil perceber isso, já que seus métodos analíticos pouco dialéticos não os permitem chegar à essência, a crise nos coloca a realidade a olho nu. Basta ver como, diante da decadência capitalista que agora pega de cheio a Europa, a Alemanha se descentraliza em relação à UE e se torna cada vez mais gerente dos interesses burgueses próprios, cada vez mais imperialista, e resolve os problemas europeus sob sua conveniência (vide o esforço para a aprovação do pacote de “ajuda” à Grécia – trataremos mais seguidamente). Se nem todo país é Suécia e nem Alemanha, nunca poderão ser, do ponto de vista burguês. É justamente o inverso, só podem se tornar cada vez mais dependentes e mais semi-colonizados – para ficar na crítica mais direta deste ponto, sem tocar no possível anseio de Nobre de que todos fossem como a Alemanha ou a Suécia, o que não constitui nada mais distante do marxismo.

Não bastassem tantas confusões, nosso filósofo insiste em seguir seu caminho. Que há mais próximo ao Paraíso na Terra que “um modelo baseado na proteção social para quem vive do trabalho” (releia nosso grifo dez vezes e lembre-se que se está tratando da União Européia!) ou um projeto “que pretende aliar democracia supranacional com coisas básicas, como poder sair à rua sem temer pela própria vida”? Novamente, nada mais distante da realidade européia que Marcos Nobre.

As lentes de bordas delgadas não o permitem analisar os dados, que estão em todos os jornais diários. Onde se reporta que 4,6 milhões de seres humanos estão desempregados na Espanha (mais de 20% da população, cifra em ascensão), Nobre lê: Proteção social para quem vive do trabalho. Para não falar da metade da mão-de-obra empregada, que é extremamente precarizada, por via da terceirização, da flexibilização dos contratos trabalhistas, do subemprego, do emprego temporário, etc. De quem nunca abriu a boca para denunciar e combater a terceirização com a qual convive diariamente em seu local de trabalho, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, onde leciona Nobre, não esperávamos que enxergasse a terceirização e o trabalho precário na Espanha; e as leis anti-imigrantes (xenófobas) aprovadas na Itália? Pode-se "sair às ruas sem temer pela própria vida" em Berlim, por exemplo, num marco de escalada dos atos e contra-atos dos neonazistas? Quanto ao segundo capítulo da crise econômica internacional: e as medidas de ajuste exigidas pela UE à Grécia e à Espanha (até agora), que reduz salários, direitos e desemprega? Na Grécia, com o fim das férias pagas para empregados públicos e aposentados, além do prolongamento da idade e dos anos de cotização para uma pensão até 18% inferior às atuais para os novos aposentados a partir de 2011? E o aumento de mais 53 mil desempregados no Reino Unido, somente entre janeiro e março, que totaliza mais de 2,5 milhões de desempregados (o maior número desde 1994), parte considerável dos quais (941,000) se acumula entre a juventude precarizada?

Entre tantos outros exemplos do que Nobre continuará lendo: “Proteção social para quem vive do trabalho”.

Sr. Nobre, acaso é um “pesadelo imaginar que a grande crise do neoliberalismo alucinado dos anos 1990 acabará por puxar para o túmulo também o projeto de um modelo social de âmbito europeu”? O capitalismo europeu é a alternativa aos modelos capitalistas dos EUA e da China? Com certeza não é a alternativa para os trabalhadores. Só pode ser, desde esta perspectiva, reação em toda linha, como dizia Lênin da fase imperialista do capitalismo, que segue em voga na ordem mundial e também na Europa. A única alternativa real é a superação do capitalismo, seja ele qual for, seja qual for o nó no mapa mundial que se quiser frisar do emaranhado anárquico do capital, só podendo ser superado pela força cunhada de um só punho por todos os trabalhadores europeus e de todo o mundo.

O pesadelo que fique a cargo dos burgueses, ao verem os trabalhadores gregos apontarem o caminho para toda a classe operária mundial. Viva a luta dos trabalhadores gregos! Viva a revolução Internacional! Abaixo o marxismo acadêmico!

Rotatividade e terceirização do trabalho nas universidades: alguns exemplos práticos

Por André Augusto
É comumente sustentado nos diários públicos neoliberais que a separação entre trabalhadores efetivos, terceirizados e temporários é uma reação justa contra o espírito frívolo que julga poder-se unificar interesses de setores de categoria numa categoria só, ou de camadas de classe numa só classe. A popularidade dessa visão está na razão inversa de sua veracidade. De fato, o pensamento neoliberal teve apenas um produto, cujo caráter essencial é a frivolidade, e esse produto frívolo exclusivo é a visão reacionária de que condições de vida semelhantes não se envolvem.

A década de 1990 no Brasil marcou um momento de ríspida implementação do neoliberalismo que, entre outras questões, tinha na flexibilização das leis trabalhistas, nas formas instáveis de contratação da força de trabalho e na terceirização, três eixos centrais de sua política. Este fenômeno serviu para cumprir dois requisitos do capital que tentava na época se reescrever após o estouro da crise de sobre-acumulação da década de ‘70: a precarização do trabalho e a divisão da classe trabalhadora, que passa a não mais se enxergar enquanto um corpo só.

As anunciadas vantagens da flexibilização do trabalho são apenas uma pintura flamenga muito suja e convenientemente inventada do estado de coisas real. Nas universidades, esse processo se verificou de forma bastante profunda, levando ao aumento do número de funcionários terceirizados em detrimento do funcionalismo contratado via concurso público. Assim, em decorrência, vemos hoje na Unicamp – mas também no conjunto das universidades, públicas e privadas – o completo domínio de algumas empresas de terceirização sobre setores fundamentais da universidade e que, a fim de maximizar seus lucros, esgoelam salários de miséria aos trabalhadores e oferecem, em geral, um serviço de baixa qualidade. Um exemplo disso é exatamente a inundação da biblioteca no ano passado, fruto das obras mal-versadas da empresa terceirizada que agora – pasmem – faliu. Outro notável, são os constantes vazamentos no ar condicionado da nova sede do Arquivo Edgard Leuenroth; aquele, instalado também por uma empresa terceirizada, segue colocando em risco o precioso conteúdo desse rico arquivo do movimento operário.

Mais exemplos? Sim, temos!

Hoje há apenas um funcionário no IFCH para trabalhar no setor de manutenção em todo o período da tarde e da noite, sendo obrigado a cumprir uma jornada extenuante executando um trabalho que, até 5 anos atrás, era cumprido por 4 pessoas. Isso é o reflexo puro da falta de contratações e de como a política de terceirização é também acompanhada do sucateamento do funcionalismo público. A falta de contratações é também o que explica o fato de existirem menores de idade trabalhando na Unicamp, ganhando miseravelmente pela sua jornada de 8 horas, que são os patrulheiros: jovens da periferia da cidade que, depois de um treinamento quase militar, prestam serviços para diversas empresas e estabelecimentos ganhando quase nada!

Recentemente vimos mais um conflito se abrir em relação a essas empresas terceirizadas: os trabalhadores da empresa terceirizada que fazia as obras de expansão da biblioteca, corretamente indignados com o atraso salarial de quase duas semanas, bloquearam a saída de um caminhão da empresa do canteiro de obras, afirmando que só o liberariam após o pagamento dos salários em atraso. A truculência da advogada da empresa, que chamou a polícia para dentro do campus e abriu um Boletim de Ocorrência contra os trabalhadores envolvidos no conflito, foi o que permitiu que o caminhão fosse liberado; mas saudamos a iniciativa desses trabalhadores que se rebelaram frente ao atraso de seus já tão baixos salários.

Não podemos aceitar inertes essa situação, que continua a enlamear cada rincão da Unicamp que a força de trabalho dos terceirizados limpa com suor! O folgazão já não gastará em orgias o que mãos trabalhadoras ganharam. Os estudantes do IFCH devemos dizer basta, tanto à intromissão das empresas de terceirização na Universidade – e à avareza desse mecanismo vivo de corrupção que só cede à voz da religião e do dízimo –quanto à insistente cumplicidade da reitoria e da direção do IFCH nesse marco, direção esta que sequer se dignou até agora a responder a carta que o Grupo de Trabalho sobre a Terceirização entregou à diretora no ato realizado há semanas! Certamente rogam que a terceirização seja uma maldição terrível, mas como toda maldição, deve-se buscar aplacá-la com orações e desejos piedosos! Sempre clamando de indignação para demonstrar seu apego à justiça, à legislação dos ricos, e ao ideal da democracia. Sobretudo quando estes três arroubos espirituais não ocasionam custo algum.

Um exemplo importante a ser seguido sobre essa questão – na contramão desse soneto de bendições – é o do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP) que há anos vem tomando em suas mãos a bandeira contra a terceirização e em defesa dos terceirizados das universidades, incluindo suas demandas inclusive na pauta de reivindicação das mobilizações dos trabalhadores efetivos, como ocorre na greve que neste momento ocorre entre os funcionários das estaduais paulistas. Esta greve, vale ressaltar este parêntese, deve receber nosso amplo apoio, na perspectiva da importância da aliança estrategicamente necessária entre estudantes e funcionários na luta pela transformação radical da universidade – é nesse marco que reivindicamos as iniciativas de um setor do CACH de incorporar e construir o ato unificado que ocorreu na semana da escrita deste texto.

Se aqui no IFCH se discute muito em sala de aula o quanto a terceirização é um processo nefasto para o trabalhador, chegou a hora de aliarmos nossa teoria à prática e construirmos uma campanha séria contra a terceirização, instigando os professores do instituto a estruturarem as formulações de seus grupos de estudos sobre o mundo do trabalho, e a apoiar as campanhas dos estudantes do IFCH; tomando como exemplo a iniciativa que o CACH teve há cinco anos em ser, à revelia do próprio sindicato dos trabalhadores da Unicamp (STU), um dos principais protagonistas na defesa dos funcionários da Funcamp - fundação privada que utilizou diretamente dinheiro público para contratar funcionários e que, pela ilegalidade desse ato, acabou por demitir todos esses trabalhadores para regularizar sua situação.

Os diferentes setores de uma classe alcançam sua consciência de classe por caminhos diferentes e em ritmos diferentes. E a burguesia participa ativamente nesse processo. Dentro da classe trabalhadora, cria inclusive suas próprias instituições, ou utiliza aquelas já existentes, para opor certos estratos de trabalhadores a outros. Nós marxistas tomamos sempre a tarefa de explicar que sob o disfarce de “resolvermos nossos problemas em conjunto”, a reação burguesa esconde apenas os interesses da classe exploradora, e deriva sua força da separação política das grandes massas. Esse é o caso da maioria dos sindicatos, por exemplo, que negociam ataques com a patronal, trocam a demissão de funcionários contratados pela demissão de funcionários precarizados, aceitam a redução da jornada de trabalho sujeitando seus afiliados a uma redução correspondente nos salários, etc. Essa metodologia sindical perdeu inteiramente a possibilidade de melhorar a situação dos trabalhadores, e um exemplo cabal disso aconteceu há pouco na greve dos docentes da rede pública de ensino, docentes esses dirigidos pela burocracia morta da APEOESP.

Nesse marco, é imperioso, além de revitalizarmos os órgãos dos sindicatos enquanto armas de combate político da classe trabalhadora, exigirmos a unificação de todas as categorias de funcionários precarizados e terceirizados, inclusive dos setores desempregados, aos funcionários contratados, associando realmente as suas tarefas comuns. Redirecionando-nos à universidade, devemos batalhar unidamente com os trabalhadores terceirizados, que já constroem a universidade pública com suas próprias energias, pela sua imediata efetivação ao quadro de funcionários efetivos em todos os ramos das universidades.

Hoje, ainda fica mais evidente que o odor dessa sujeira sai para além dos muros da Unicamp: no momento em que se escrevem essas letras, há uma greve em andamento de faxineiras da rede municipal de Campinas, contratadas pela empresa terceirizada União – a mesma empresa responsável pela subcontratação de empregados terceirizados para faxina na USP em 2009, e que foi combatida na greve por perseguir trabalhadores e por assediá-los moralmente – e que mostra como, apesar da precarização, esses trabalhadores terceirizados também podem se organizar; e devemos ser o setor mais conseqüente em lutarmos lado a lado desses trabalhadores que, por terem pouco a perder além das cadeias, podem ter muita disposição de se rebelar!

Mesa com Domênico Losurdo na UNICAMP: A Linguagem do Império

Por Iuri Tonelo

Não é de hoje que sabemos que o marxismo acadêmico tem capitulado as mais diversas degenerações do marxismo. Em muitos aspectos, em cada uma das mesas da “esquerda acadêmica”, os revolucionários têm sido atacados, especialmente em sua maneira inconciliável de se relacionar com o capitalismo e a sociedade de barbárie vigente, mas também pela defesa incondicional do marxismo revolucionário, em analisar cada um dos grandes fenômenos à luz da luta de classes.

Essa problemática se expressou de maneira intensa na mesa realizada no dia 05/05 na UNICAMP, com a presença de Domenico Losurdo, conhecido filosofo italiano; além dele, estavam presentes Armando Boito, intelectual renomado preso ao último e resistente suspiro do althusserianismo na academia e, para nossa desgraça geral, também se fazia presente a figura de João Quartim de Moraes, conhecido filósofo stalinista.

A palestra estava centrada na temática do novo livro de Losurdo, intitulado A Linguagem do Império. Losurdo partiu, conforme uma tradição italiana na análise política, da divisão entre força e consenso (“ideologia”): de um lado, o dado de que 50% da produção bélica mundial se concentra nos EUA; por outro lado, a análise mais detida das diversas formas ideológicas da dominação estadunidense. Assim, Losurdo procura explicitar e inverter os jargões do imperialismo.

Conforme indica Losurdo, o chamado terrorismo, uma ação “individual” de destruição de massa, poderia ser fundamentado, não no Oriente Médio, mas antes nos próprios EUA, uma vez que nesse entendimento a destruição de Hiroshima e Nagasaki seria a grande ação terrorista no século XX. Outro termo do léxico norte-americano e imperialista, o fundamentalismo, teria nascido nos próprios EUA, baseando as ações ético-políticas da sociedade nos fundamentos do cristianismo e, nesse sentido, nenhum pais tanto quanto os EUA teria uma conexão tão íntima entre religião, moral e política. O anti-americanismo, tão deslegitimado pelos EUA como expressão do nazi-fascismo ou da esquerda radical, seria muito mais uma expressão da intolerância de alto grau ao imperialismo, uma vez que poucos reivindicaram tanto a política de um Estado de exclusão racial, conforme foi por séculos o Estado norte-americano e que mantém seus estigmas, quanto os nazistas (o próprio livro de Hitler, Minha Luta, reivindica essa “qualidade” dos EUA). Além desses pontos, Losurdo ainda analisa a passagem do Estado racial de exclusão dos negros para a discriminação direta do islamismo, outro ponto abordado por ele.

Toda essa discussão, a despeito de não se analisar concretamente a questão à luz da luta de classes, apresentava a necessidade de um questionamento da potência americana, acertando Losurdo em terminar sua palestra colocando essa pesquisa em favor da luta antiimperialista.

A parte mais complicada ficou para o debate. A primeira grande questão estava baseada nos termos da palestra: para Losurdo, o totalitarismo seria uma das terminologias da linguagem do império, uma vez que enfatiza a vinculação entre o nazi-fascismo e a URSS stalinista, e não a vinculação entre o nazi-fascimo e o Estado racial dos EUA, que seria o grande fundamento de igualdade entre os dois, segundo Losurdo. Trata-se, no mínimo, de um erro crasso. O processo de burocratização na URSS e o subseqüente Termidor foram o início da vitória da burocracia sobre as massas, ou seja, a vitória de uma camada descolada do poder operário, da democracia de base, dos soviets e do processo que conformou o Estado operário. Esse processo foi avançando gradualmente, perseguindo toda a vanguarda revolucionária de Outubro; a repressão aumentava e mudava-se o caráter da burocracia, cada vez mais implacável. Do Termidor passamos ao Bonapartismo stalinista; do bonapartismo ao totalitarismo. Aqui também se faz notável a máxima da Lógica de Hegel: “mudanças quantitativas, a partir de certo ponto, tornam-se mudanças qualitativas”. O totalitarismo foi a fase mais avassaladora desse processo de repressão e falta de democracia. Assim, indicava Trotsky, já em 1935, antes dos processos de Moscou:

Da democracia no partido, nada mais resta do que a memória da velha geração. Com ela, a democracia dos soviets, dos sindicatos, das cooperativas, das organizações esportivas e culturais volatilizou-se. A hierarquia dos secretários domina tudo e todos. O regime adquirira um caráter “totalitário” alguns anos antes que o termo nos viesse da Alemanha. (Trotsky, A Revolução Traída, cap. 5)

Assim, não colocando um sinal de igual entre Alemanha e URSS, por questões lógicas que diferem o Nazismo de um Estado Operário degenerado, podemos encontrar uma semelhança brutal na forma com a qual o Estado atacou a auto-organização dos trabalhadores e todos os traços de contestação revolucionária naquelas sociedades. Voltando a palestra de Losurdo, soa-nos agora pecaminoso dizer que “totalitarismo” é um termo meramente ideológico, como o fez o marxista italiano. Fechada essa base extremamente problemática que Losurdo ofereceu em sua palestra, ficamos com o sentido positivo antiimperialista para atacar o que houve de degenerado na mesa.

*
O problema maior residiu no fato de que a tal parte extremamente problemática da fala de Losurdo foi utilizada por Quartim de Moraes para aprofundar sua perversão do marxismo: perguntava Quartim “como relacionar o Nazi-fascimo e a URSS [stalinista!!], só porque tinham um partido único? Para vocês verem como é ideológica essa terminologia de totalitarismo”. A que ponto chegam os stalinistas para defender a chacina generalizada de todos os setores revolucionários da URSS! Como não chegar, enfim, à conclusão de que a cabeça normal de um stalinista “educado” é uma lixeira na qual a história joga de passagem a casca e os detritos de suas diversas realizações?

Mas o ponto alto dessa “burocratização da mesa” foi a ênfase geral de Quartim para que não se “fizessem intervenções, nem lessem manifestos, nem expressassem posições políticas, mas apenas que se fizessem perguntas”. Do alto de sua autoridade de estar na mesa da atividade, esse stalino tirava todas as possibilidades de que interviéssemos com nossos anseios de uma juventude inconformista e revolucionária.

Enfim, não pudemos discutir o marxismo nos termos corretos, revolucionários, nem mesmo expressar nossos anseios de nos ligarmos aos processos de luta de trabalhadores nas universidades, como se apresentam agora os trabalhadores da USP e logo da UNESP. Fazemos dessa nota, em vista disso, nosso suspiro da juventude igualmente antiimperialista, mas que reconhece com clareza os inimigos íntimos da classe operária: o imperialismo (traduzido em fascismo e democrático-burguês), por um lado, e o stalinismo, por outro.

Que nossa geração enterre os seus mortos; que a juventude combata a burocracia na universidade, porque a máscara desses velhos stalinistas já caiu, e a juventude já não semeia nenhuma ilusão nessa bandeira stalinista de sangue – esta só representa o retrógrado; e como sabemos, a juventude adotará a bandeira daqueles que oferecem um futuro.

Na atividade do “socialismo em geral”, ficamos com Lênin

Por André Augusto e Tatiana Gonçalves.

No último dia 27 de abril, no auditório do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) realizou uma atividade de lançamento da pré-candidatura de José Maria de Almeida. A mesa foi composta pelo professor aposentado do IFCH, Edmundo Dias; pelo professor do CEFET, Valério Arcary; pelo professor do IFCH Álvaro Bianchi, e Zé Maria.

Ressaltamos a importância da realização de atividades da esquerda que se reivindica classista e revolucionária, não apenas no que tange aos momentos de eleição, mas principalmente com intuito de expressar as lutas operárias, em espaços tão elitizados como as universidades públicas de São Paulo, auxiliando a soldagem da aliança operário-estudantil. O auditório estava lotado, em que se expressaram os setores trabalhadores como petroleiros, metalúrgicos, professores; além de um amplo setor de estudantes do instituto que se interessam pelo debate que as alas da esquerda se propõem para combater a direita nas eleições.

Edmundo Dias limitou-se a traçar um panorama emotivo da trajetória sindical de Zé Maria, reivindicando sua própria luta e encorajando os presentes – se bem que mais através de desejos piedosos do que da aplicação de uma vontade política consciente e organizada, o que amortiza à metade o efeito de sua intervenção – a lutar pela mudança radical da universidade pública e também contra a burocracia.

Álvaro Bianchi, com o papel de mediador na discussão, citando sua amizade cordial e sua confiança no candidato socialista Zé Maria – quase não pôde fazer algo mais que isso. Porém, teve a iniciativa de contribuir com a dúvida geral da audiência que se debatia em incerteza, durante toda a comunicação, sobre o significado da palavra “socialista”, tão vastamente evocada. Bianchi elucidou: “O socialismo não é um nome próprio, mas um nome coletivo”.

Depois dessa síntese poderosamente esclarecedora, foi a vez de Valério Arcary, que não teve pudores em alugar os ares por mais de trinta minutos (falando inclusive mais tempo que o pré-candidadto), sobre temas tão diversos como a revolução portuguesa de 1974, o emprego de garçonete na Carolina do Sul, o horário eleitoral na televisão dedicado à esquerda e o queijo e o azeite gregos, demonstrando a habilidade incomum e a sagacidade de ligá-los todos, com a firmeza que essa variedade de termos permitia, à crise econômica que estoura em seu segundo capítulo na Grécia. O tom irônico e pedante que pautou toda a sua intervenção destoou do importante esforço feito pelos militantes do PSTU de Campinas em expressar seus setores operários no seu debate (manifesto no nariz torcido de Zé Maria enquanto Arcary intervinha). Fica claro, portanto, que sua fala foi o ponto baixo da atividade.

Depois vieram as perguntas do plenário. Distinguiram-se dois tipos de intervenção: em primeiro lugar, as “dúvidas” de militantes e dúvidas de contatos operários, estes sim dúvidas reais, do PSTU, sobre a dificuldade de fazer campanha num movimento operário tão influenciado pelo lulismo; em segundo lugar, as intervenções das demais organizações políticas ali presentes, compostas pela LER-QI, pelo PSOL/Enlace e pelo PCB. O PSOL ligou ao PSTU uma posição rupturista com a antiga frente de esquerda; questionavam porque agora que conseguiram emplacar a candidatura de Plínio o PSTU não teve acordo em travar a aliança; o PCB interveio dizendo que não havia acordos programáticos entre eles e o PSTU, e por isso não estavam juntos. Nós da LER-QI encaminhamos nossas intervenções levantando a questão da Frente de Esquerda de 2006 e 2008 e as contradições com aquela frente, e perguntando qual o balanço do PSTU sobre esta frente e se, ao não dar a batalha no passado contra o PSOL e em favor da mais irrestrita independência de classe, contribuiu para que a esquerda estivesse hoje mais debilitada frente ao lulismo.
Além disso, pautamos a questão de Cuba, ressaltando a sua importância hoje (inserindo a polêmica que o PCB fez com a LIT) e defendendo as conquistas sociais da revolução cubana frente ao bloqueio imperialista e à tentativa de reorganização da direita política na ilha no intuito de rematar com chave íntegra a restauração capitalista, já iniciada pela burocracia castrista incrustada nesse Estado operário deformado, mas que só se manifesta dentro das conseqüências sociais favoráveis ao povo pobre e à classe trabalhadora que impregnam a memória dos cubanos. O retorno do capitalismo a Cuba só se pode dar através de um golpe contra-revolucionário claro e irrefutável.

Ainda relacionamos uma fala centrada na questão da terceirização (como é importante um candidato responder a isso) e ferozmente contra o PSOL, aludindo ao fato de que Heloísa Helena havia votado a favor da Reforma da Previdência, corrigido no sentido de que os deputados do PSOL foram os que o fizeram.

A ausência, na generalidade, de um debate convictamente internacionalista foi tão gritante a ponto de um militante do PSTU, desde o plenário, ter de apontar a inexistência do importante debate sobre o Haiti em todas as intervenções da mesa; aliás, não fosse a seção de perguntas a Zé Maria, em que nós da LER-QI o interpelamos no sentido do posicionamento internacionalista para a resolução de questões internacionais, este ou qualquer outro não se teria dignado em sequer citar a questão da revolução cubana, que Zé Maria, ao cabo, se mostrou incapaz de responder a não ser declarando que as posições do PSTU eram de que o capitalismo já estava restaurado na ilha, mas que “era importante aprofundar o debate”. O PCB asseverou ainda uma vez, quanto a Cuba, o seu legado stalinista e burocrático, defendendo que não podemos criticar tçao severamente a burocracia castrista, a política reacionária de partido único e toda a fonte histórica da qual derivamos (referindo-se à cristalização das seções da burocracia stalinista em diversos países do mundo, no que erra contundentemente: os trotskistas somos herdeiros diretos e vivos de mais de 150 anos de teoria e práxis revolucionárias na linha do marxismo em luta inveterada contra as posições mortas e criminosas do stalinismo).

Sobre a Frente de Esquerda do PSTU com o PSOL em 2006, Zé Maria confessou que fazem “um balanço positivo sobre ela”. Aqui, devemos relevar que, em que pese a medida importante do PSTU de chamar uma candidatura independente do PSOL, isso só se deu como resultado de um longo período de negociações frustradas com o último, negociações que foram sempre prioritárias. Zé Maria disse que não se concluiu uma nova Frente por diferenças programáticas importantes, que tornaram impossível a Frente. Devemos perguntar, a partir disso, qual a diferença substantiva entre uma Frente com Heloísa Helena (que o PSTU apoiou por ocasião do “capital eleitoral” disponível) e uma Frente com Plínio de Arruda Sampaio, do ponto de vista do programa de conjunto do PSOL, sendo que ambos aceitam patrocínio privado, com a ressalva de ser através de pessoas jurídicas ou pessoas físicas, respectivamente.

Uma idéia, conquanto estrategicamente correta, torna-se uma falsidade, e até uma falácia, se não for traduzida na linguagem da tática; da mesma maneira e combinadamente, todas as operações táticas isoladas devem convergir para uma perspectiva estratégica correspondente que conduza os esforços dos trabalhadores à vitória. No caso do PSTU, a tática da eleição não foi entremeada com a dinâmica da luta de classes, servindo às lutas operárias e aportando com peso dirigente nelas, mas sim vinculada a uma propaganda abstrata e estéril de um socialismo em geral, incapaz de capturar o interesse da classe trabalhadora no sentido de nutrir uma postura política independente. O discurso do socialismo em geral se vincula inevitavelmente a demandas alheias à classe trabalhadora, como se expressa no recente programa de governo divulgado pelo PSTU no qual constam reivindicações, defendidos até pela Fiesp, como a redução da taxa de juros.

Em conclusão, apesar das faltas cometidas acima, enxergamos positivamente a apresentação de uma candidatura operária pelo PSTU, ao contrário do que expressava a candidatura de Heloísa Helena em 2006. Este tipo de candidatura, entretanto, deve estar em consonância real com o papel tático que os revolucionários enxergam nas eleições, utilizando esse momento como força motora adicional no incremento das mobilizações concretas que conduzem à compreensão comum, por parte da classe trabalhadora, de que as tarefas democráticas mais elementares que concernem a melhoria de suas condições de vida só podem ser conquistadas por uma só e mesma via: pela tomada do poder pelo proletariado mundial.

De tudo o que ficou exposto acima (e até o que se perdeu nos excursos incontáveis dos oradores) - entre o socialismo abstrato de Bianchi e os trinta minutos de queijo grego de Arcary, rejeitamos ambos; ficamos com o camarada Lênin:

Não à 'introdução' do socialismo como nossa tarefa imediata, mas apenas passar imediatamente ao controle da produção social e da distribuição dos produtos por parte dos soviets de deputados operários”. (“Teses de Abril”, 1917).

Essa fina ironia resume em um rasgo do espírito revolucionário coerente o que se tentou encontrar a duras penas em três horas de atividade.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Boletim Iskra - USP 2010 #1

Edison Salles


O jornalista Elio Gaspari, sem dúvida um dos mais inteligentes do país, se mantém coerente com sua linha de acompanhar os acontecimentos políticos da USP com lupa de burguês sensato: este domingo alertava o tucanato para, se for esperto, manter a polícia militar longe do campus do Butantã, agora que os funcionários da universidade aquecem os músculos para uma nova greve. Gaspari já vem fazendo sua parte no cerco que a mídia pró-tucana vem fazendo em torno do combativo sindicato da universidade... Desde o ano passado, tirava lições das intervenções desastradas da dupla Suely Vilela/José Serra, que contribuíram com sua truculência para soldar aqueles novos elementos de aliança de classe, entre trabalhadores e estudantes, que fizeram a USP entrar numa nova fase após 2007 e tanto preocupam os sanguessugas do patrimônio público que também atendem pelo nome de burocracia acadêmica.

Agora o senhor Rodas, político velhaco que é, mostra a que veio com sua fachada “dialoguista”: quebrou a isonomia dando aumento apenas para professores, e agora quer dobrar os joelhos dos funcionários sem dar nenhuma concessão, ameaçando descontar os dias parados antes mesmo de a greve começar.

O magnífico reitor-biônico de Serra é também jurista de cátedra, então sabe que o direito de greve está lá bem inscrito na Constituição dos ricos, até porque os trabalhadores brasileiros lutaram para tanto... Mas pelo menos assim se vê que quem “politiza” as greves da categoria são os desmandos dos portentosos como Rodas, que para fazer da USP um paraíso do capital não hesita em fazer da universidade uma “terra-sem-lei” para quem vive do suor do rosto... (enquanto isso, os terceirizados continuam trabalhando como semi-escravos, estudantes são agredidas pela guarda e os homossexuais sofrem com o descalabro daquela direitazinha estudantil que as “autoridades universitárias” tanto fazem para estimular...)

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Otumbayeva tem a mesma cara da oposição: não é nenhuma alternativa ao povo pobre e trabalhador do Quirguistão


Por André Augusto

Otumbayeva tem a mesma cara da nova oposição: não é nenhuma alternativa ao povo pobre e trabalhador do Quirguistão.

Por André Augusto

O recrudescimento nas tensões da Ásia Central, região adjunta aos países em perene vulcanismo social do oriente Médio (incluso o Afeganistão), mostra a importância estratégica que possui para o imperialismo norte-americano. O presidente do Quirguistão, Kurmanbek Bakiyev, fugiu da capital do país após duas jornadas de mobilizações populares e violentos enfrentamentos com as forças de segurança, que saldaram dezenas de mortos (alguns meios divulgam já a cifra de 100 mortos).

O país diretamente implicado na derrubada do regime de Bakiyev é a Rússia. Apesar de Vladimir Putin, primeiro ministro russo, ter alegado não ter nenhum envolvimento com os "distúrbios" no país Quirguiz, não moveu dois palmos de língua para dizer que não estava de acordo com o caso, nem sequer interpretou o levante anti-governamental no primeiro expediente. Para um país que é historicamente acostumado a farfalhar as asas sobre as rachaduras do mundo, como no século XIX com os seus czares, sendo os eminentes protetores da dominação legitimista e os guardiães contra a revolução - o que valeu à Rússia o epíteto de gendarme da Europa - esse processo não pode ter passado despercebido. “Selem seus cavalos!”, bradara Nicolau I da Rússia, após ouvir ter estourada a Revolução de Fevereiro em Paris; e a águia bicéfala saiu, novamente, pela porta dos fundos, não a galope agora, mas na forma de alguns de seus funcionários e suas penas monetárias.

Primeiramente, o novo comando quirguiz agradeceu à Rússia pelo "apoio significativo" na consecução da tomada do parlamento; e, sabida a existência de bases militares russas no país, afirmou que "todas as forças de segurança apóiam o novo regime". O deposto presidente sugeriu depois "dialogar" com Rosa Otumbayeva, autoproclamada chefe interina do Quirguistão, que alegou ter contatado Moscou assim do êxito da deposição. E por fim, um alto funcionário em Praga disse que Bakiyev, “não havia cumprido sua promessa de fechar a base americana na região”, tarefa necessária, pois, na “ex-república soviética só deve haver uma base – a russa” (fonte: O Estado de S. Paulo, 09/04), defendeu o anônimo.

Quanto a Rosa Otumbayeva, há muito que possui um papel crucial na política interna e externa do Quirguistão. É formada em filosofia pela Universidade Lomonosov de Moscou, presidiu a comissão soviética na Unesco, entre 1989 e 1991, e foi membro da corporação de Ministros de Relações Exteriores da URSS.

Depois da queda da União Soviética em 1991, foi chanceler do Quirguistão independente na equipe do presidente Askar Akayev. A partir de 1997, residiu no exterior, sendo embaixadora nos Estados Unidos e na Grã Bretanha. Portanto, fora embaixadora russa na época da presidência de Bóris Yeltsin, cujo regime foi marcado pela grande corrupção que assolava a Rússia, pelo desemprego e pela fome, além dos conflitos com a Chechênia, assim como responsável pelo colapso econômico e pela venda sem organização de empresas estatais como a Lukoil a empreendedores privados.

Em 2003, foi enviada especial da ONU na Geórgia, onde a Revolução Rosa explodiu, um movimento de protesto popular que derrotou o regime e serviu de precursor da Revolução Laranja de 2004 na Ucrânia e da Revolução das Tulipas em 2005, um ano depois, no Quirguistão.

A título de situarmos a questão nos seus marcos corretos: as chamadas “revoluções coloridas” foram parte de uma política consciente do imperialismo norte-americano (já da era Bush, e mantida por Obama), com participação expressiva de ONG’s financiadas diretamente por este Estado e por suas forças policialescas (leia-se CIA), com o objetivo estratégico de se relocalizar no leste europeu, acertando as contas com o passado ainda recente da Guerra Fria. Não se tratam aqui de revoluções que mudaram o caráter de classe da sociedade ou tampouco do Estado ou, como define Trotsky, não se tratam de revoluções cuja mecânica política consiste na mudança do poder das mãos de uma classe para outra – trata-se, sim, de uma troca de governo entre frações burguesas, dirigida por uma fração da burocracia em detrimento de outra, com interesses internacionais distintos, do pró-oriente ao pró-ocidente. Juntamente com a política guerrerista no Oriente Médio por parte desta mesma potência, puderam levantar governos que levariam até o fim os interesses norte-americanos.

As “revoluções coloridas”, portanto, deram-se no marco da tentativa de reposicionar o combalido imperialismo norte-americano à força de volta ao patamar hegemônico, em áreas que não demonstrariam grande resistência tanto pela pobreza dos países da região quanto pela ausência de poderosas milícias armadas que pudessem ameaçar sua presença, abrindo precedentes materiais para a política mais abertamente bélica e que favorecesse a interferência de Washington no Oriente Médio.

Fato é que com a decadência hegemônica dos EUA, fruto também dos maus resultados até agora obtidos no Iraque e principalmente no Afeganistão, seus interesses puderam ser questionados também no leste europeu, como pudemos ver na guerra da Rússia e da Geórgia no final de 2008, em que os EUA tiveram um papel pífio e não conseguiram rechaçar a investida russa nem seus interesses diretos no país.

Mais uma vez, com o golpe no Quirguistão, onde assume um governo mais inclinado à Rússia, podemos ver a hegemonia norte-americana decadente ser contestada, ainda que de maneira estritamente parcial, cuja tendência pró-russa não sacrifica em nada os interesses norte-americanos diretos na região, como se verá adiante.

A governante interina, Rosa Otumbayeva, rompeu em 2004 com o presidente Akayev para passar às filas da oposição. É parlamentar do Partido Social-Democrata do Quirguistão.

O partido de Otumbayeva, Ala Jurt (“Pátria”), converteu-se no motor que levou Bakyev primeiramente ao poder de estado; isso após uma longa estada nos EUA que lhe rendeu quimeras sobre a construção, no Quirguistão, de uma sociedade ao estilo ocidental. Com isso, não admira em nada que o atualmente proclamado “governo popular” instaurado por Otumbayeva não possua nada de popular, revelando tanto provas automáticas de submissão ao governo russo, inserido completamente nos trâmites internacionais do mercado capitalista, quanto cedendo às pressões externas para “acalmar” as massas quirguizes, inclusive fazendo soar toques de recolher, mecanismos clássicos da repressão militar burguesa.

Para acabar com a aparente dessemelhança entre as intenções de Otumbayeva e os interesses da propriedade privada defendida tanto em Moscou como em Washington – um marco em que são tão idênticos quanto três gotas de água, muito embora trate-se de um lado da burguesia imperialista hegemônica no mundo e de outro uma débil burguesia dependente em ascenso! – o governo auto-proclamado estabeleceu grupos de vigília que se dedicarão a confrontar os “saqueadores” na capital, forcejando a mansidão com todos os subsídios das “Forças Armadas, que estão sob controle”.

As políticas anti-populares de Bakiyev, a corrupção de seu governo, seu giro bonapartista e a colaboração com EUA e Rússia, ao mesmo tempo e de acordo com aquele em cujo bolso mais tilintasse as moedas, foram alimentando um grande descontentamento que explodiu com o aumento das taxas de eletricidade (170%) e calefação (400%). Alguns analistas sustentam que o ataque dirigido pela Rússia contra o governo de Bakiyev como aliado norte-americano, que recrudesceu nas últimas semanas, foi um elemento de peso que detonou a mobilização e que agora Rússia poderia se beneficiar com a queda do governo.

A crise política nesse país da Ásia Central, um dos mais pobres das ex-repúblicas soviéticas, onde 75% da população é muçulmana, pode ter importantes consequências regionais, já que em seu território está localizada a base aérea norte-americana de Manas, nos arredores da capital, que cumpre um papel fundamental para o abastecimento das tropas dos EUA e da OTAN no Afeganistão.

Fica claro que os russos querem a hegemonia sobre as bases militares no país. Segundo outro oficial anônimo do novo governo formado no Quirguistão, haveria uma alta probabilidade de que a base aérea americana no país, que serve as tropas dos EUA no Afeganistão, tenha seu prazo de estadia reduzido. Autoridades de facto quirguizes já anunciavam retirar a base dos EUA do país. Entretanto, os EUA praticamente não tocaram no assunto até agora, muito menos responderam com algo mais concreto.

O que isso sinaliza?

Sinaliza que a oposição dos correligionários de Otumbayeva e essa “líder”, da mesma maneira que o antigo governo de Bakiyev, que nos primeiros anos se mostrara pró-ocidental, mas que em fevereiro de 2009 anunciou finalizar o aluguel da base de Manas após receber inversões financeiras russas, e que entretanto ao primeiro sinal de que os EUA aumentariam o soldo de sua burocracia (de US$17 milhões para US$60 milhões), girou novamente à posição de lacaio do Pentágono (à revelia da vida de milhares de afegãos, que pagaram caro por essa vassalagem), não oporão em nada os movimentos de zigue-zague da crosta governamental quirguiz, olhando para Washington quando a bolsa desta balançar, e voltando-se para Moscou quando Putin recitar as palavras eternamente reconfortantes para qualquer burocracia, “Quem não tem dinheiro, meios e paz, carece de três bons amigos”.

Quando o dinheiro vai à frente, todos os caminhos se abrem; assim como todas as fronteiras nacionais, e para todas as bases militares. Quando se trata do dinheiro, da prostituta universal do gênero humano, os capitalistas provam ter uma só religião.

Ao fim do mesmo dia da insurreição popular, a chefe interina Otumbayeva garantiu a permanência da base aérea americana em Manas, como dito, instalação militar essencial para a consecução das hecatombes no Afeganistão. Ademais, quanto aos acordos para manter a base aérea em Manas, cidade próxima à capital Bishkek, que foram primeiramente firmados pelo próprio presidente deposto Bakiyev, assim se expressou Rosa: "Não temos a intenção de mudar nada na base americana, a prioridade é assegurar a estabilidade para nossos cidadãos. Não vamos alterar nada na base, os acordos existentes seguem em vigor".

Otumbayeva não rechaça, nem de longe, os mesmos planos imperialistas travados pela “oposição” de Bakiyev. Nem o governo interino nem a atual oposição de Bakiyev representam qualquer alternativa para a melhoria das condições de vida da população quirguiz e de sua camada operária, que foi utilizada como aríete de assalto para satisfazer a necessidade de cúpulas governamentais genuinamente vendidas às potências estrangeiras. A batalha da classe trabalhadora pela democracia operária deve ser conduzida por comitês de auto-organização das massas que subvertam a constituição vigente através de contundentes ações políticas que tenham efeito prático imediato no progresso de suas condições de vida, que os meios da existência e da atividade dos trabalhadores sejam relocalizados às suas próprias mãos e não mais estejam concentradas nas mãos dos capitalistas; e não com demagogias parlamentares e a apatia de uma casta política preocupada com o esboço de uma nova Constituição, e com a saúde desta.

Constituições são removíveis; e devem sê-lo na medida em que não mais se quadrem às necessidades sociais sempre em desenvolvimento dos trabalhadores e das massas populares. Não há nada sagrado e imovível em pedaços de papel; são, no mais, atestados transitórios de todos os eventos, tanto trágicos como heróicos – justamente pela expansão da ação mais ou menos organizada das alas históricas progressivas – por que tiveram de passar as massas trabalhadoras e o povo pobre para superar a sua própria sociedade. Os testamentos constitucionais são escritos na água pelas massas e, nesse sentido, a nova Constituição deve ser Revolucionária, levantada justamente pelas massas trabalhadoras e sob a custódia de suas forças de classe.

No último dia 16, Bakiyev renunciou à presidência e deixou o Quirguistão para a cidade de Taraz, no Cazaquistão. O ex-presidente deposto “mudou” de idéia, pediu que saísse em segurança do país junto a seus familiares, e embainhou definitivamente a coragem que não possuía. Para cortar o fio dessa coragem, na verdade, esforços foram feitos conjuntamente entre o presidente do Cazaquistão Nursultan Nazarbayev, o presidente norte-americano Barack Obama e o presidente russo Dmitry Medvedev. As posições da base aérea norte-americana em Manas nunca estiveram tão asseguradas; o governo russo renuncia com admirável facilidade, se não à trivialidade de suas palavras, pelo menos ao seu conteúdo.

Enquanto isso, o povo afegão pagará pela cumplicidade criminosa de Otumbayeva. As mortes “acidentais e inadvertidas” continuarão numa escala cada vez maior com o desespero imperialista dos EUA de liberar suas forças armadas do terreno asiático e girá-lo à Europa, quando necessário, para suplantar os vindouros levantes proletários, de que a crise econômica em curso é a parturiente. Stanley McChrystal continuará a ser o primeiro violino a lastimar as “mortes indevidas de civis inocentes” e, no esforço de diminuir mas não acabar com as mortes afegãs, contradição lógica absurda, saberá declamar: “As mortes acidentais são um percalço infeliz no decurso da chacina mais necessária. Pois se é certo que devemos reduzir o número de vítimas inocentes, é uma tontice esperar que possamos assassinar nossa própria missão”.

Somente a associação dos trabalhadores e das trabalhadoras desses dois países pode reverter as ações do governo facínora de Barack Obama. Uma aliança operária e popular, sob a direção da vontade consciente organizada dos trabalhadores afegãos e quirguizes, juntamente à população oprimida do campo, deve dissipar tanto a invasão militar norte-americana na região quanto a presença de bases militares russas no Quirguistão. E isso antes que os norte-americanos e os russos o façam por si mesmos. Estrategicamente, o fim da opressão e da exploração dos trabalhadores e do povo pobre do Oriente Médio só se dará de fato no marco da transformação revolucionária destes estados em uma unidade, em Estados Unidos Socialistas do Oriente Médio.


sexta-feira, 2 de abril de 2010

Alguns apontamentos gerais sobre a importância da questão haitiana: o Haiti não desapareceu!

Por André Augusto

Na primeira sexta-feira deste fevereiro, o Governo dos Estados Unidos deu seu “apoio” ao perdão de toda a dívida do Haiti com os organismos internacionais de crédito e pediu doações imediatas para a reconstrução do país após o terremoto do mês passado. "Hoje expressamos nosso apoio ao que o Haiti precisa e merece: o perdão da dívida multilateral", disse o secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, em declaração antes da reunião de ministros do Grupo dos Sete (sete países mais industrializados do mundo), que aconteceu naquele fim de semana, no Canadá. Em outras palavras: a filantropia da comunidade internacional está a decidir se os haitianos merecem deixar de pagar pelas mortes, pelos assassinatos políticos, pela repressão militar, pela miséria e pela fome que o colonialismo centenário das mesmas nações que administram a atual ajuda oficial transformou em dívida. A dívida do Haiti monta a US$ 1,314 bilhão. Com uma dívida tão vultosa, curiosa é a nota paralela: a taxa de analfabetismo é de 47% entre os homens e de 42% entre as mulheres; a população abaixo da linha de pobreza é de 67% e o desemprego urbano soma estarrecedores 70%. A taxa de mortalidade infantil é de 83 crianças a cada 1000 nascidas.

De tudo isso, depreende-se que a contração da dívida e a resolução dos problemas nacionais do Haiti não caminham a braços dados. O dinheiro que o Haiti deve ao fundo mundial foi utilizado pelo fundo mundial contra o Haiti.

Enquanto se abarrota a ajuda internacional (por volta de US$ 670 milhões até agora) nos depósitos da ONU, que engordam como se possuíssem estômagos, às trabalhadoras e trabalhadores haitianos a ajuda chega a conta-gotas. É realmente difícil disputar alimentos com espaços tão esfomeados, e o pior para o povo pobre de Porto Príncipe, de Leogane e outras regiões afetadas pelo sismo é que mais uma bocarra se apresenta escancarada para disputar os seus recursos: as goelas lascivas das construtoras brasileiras e norte-americanas. Entre Cila e Caribde, a água entra na boca daquele cujos dentes são mais afiados, e alguns dentes do século XXI disparam fuzis e balas de borracha também.

Todos os carregamentos importantes, trazendo água, alimentos e aparelhos médicos, estão sob controle dos operativos militares dos EUA e seus gigolôs indiretos, os lacaios da ONU. Nos acampamentos de tendas, para “entregar ajuda”, realiza-se comumente deslocamentos e paradas militares, parecidos com as escoltas de Obama, com caminhões Hummer, cada um com seis pessoas, todos fortemente armados e um posicionamento territorial espetacular criando um ambiente de hostilidade, de guerra.

É de bom aviso não contribuir na amnésia crônica da grande burguesia em relação à sua história recente, e lembrar que o quepe do imperialismo mundial, os EUA, que transforma todos os outros países em seus próprios proletários, só anunciou o “apoio” ao perdão da dívida (o verdugo liberando a vítima de pagar pela lâmina que utilizou para estripá-la) após várias nações terem anunciado a “boa nova”. França, Itália e até a Venezuela já o haviam feito publicamente. A resolução deste encontro filantrópico ficou a cargo – creiam – de ninguém menos que dos ministros e governadores dos bancos centrais do G7, Alemanha, Canadá, EUA, França, Reino Unido, Itália e Japão. Alguns desses países têm relações históricas estreitas com o Haiti; nenhuma dessas relações pode ser caracterizada como humanitária.

Por exemplo, quanto à orgia da orquestra da carnificina no Haiti entre a França e seu colonialismo no século XVIII e os EUA, a história é eloqüente. Em 1791 os escravos haitianos das plantações levantaram-se contra seus amos franceses; o resultado da guerra civil foi a derrota e expulsão dos exércitos aventureiros de Napoleão Bonaparte da América, e o estabelecimento da primeira República negra da história. Em 1804, estabeleceu-se a primeira república independente da América Latina. Temendo que o Haiti se transformasse num exemplo da luta contra o colonialismo e o escravismo, os EUA, juntamente com as nações européias, negaram-se a reconhecer o estatuto de república independente ao Haiti, por meio do “grande e libertário” Thomas Jefferson, mais um exemplo de facínoras trasmudados em heróis pela fantasia norte-americana. Isolaram o heróico país caribenho até 1825 quando, pela força dos fatos e dos próprios haitianos, além da necessidade de finalizar o embargo econômico pelo comércio de produtos tropicais, os EUA exigiram o pagamento de uma compensação, para reconhecimento “legal” da independência haitiana, de uma soma equivalente a atuais 20 bilhões de dólares, como indenização dos lucros perdidos pela metrópole na figura de suas plantações e seus escravos. Que orgulho de reivindicação!

Para pagar os juros dessa soma (uma vez que obviamente não poderiam pagar a totalidade daquela quantia astronômica) os haitianos endividaram-se durante mais de um século. Em 1947, a dívida com a antiga potência colonial foi suspensa, apenas para que se reiniciasse um novo ciclo de endividamento. O imperialismo militar norte-americano assumiu as rédeas da brutalização do Haiti no século XX. De 1915-1934 invadiu e ocupou o país; sustentou as sangrentas ditaduras de François Duvalier e Jean-Claude Duvalier entre 1957-1986; o golpe militar de Raúl Cedrás, em 1991, que derrocou o recém-eleito Jean-Bertrand Aristide, teve amplo suporte em George H. W. Bush, pai do pirata do Oriente Médio. Em 1994, por ocasião do descontentamento popular com a nova ditadura, o presidente Bill Clinton reinstalou Aristide na presidência após uma nova invasão de fuzileiros navais, a maior registrada no Haiti; reinstaurou Aristide com a condição de implantar medidas neoliberais determinadas pelo FMI, com os quais o tíbio Jean-Bertrand corroborou de joelhos. Em 2004, os EUA, sob o comando de George Bush filho, apoiou o golpe de estado da direita local, removendo Aristide do país e perseguindo seus simpatizantes.

Dando continuidade à centenária política imperialista, Barack Obama, comandante máximo da ONU e por sua vez da MINUSTAH, as tropas militares de invasão que ocupam o Haiti desde 2004, coloca o fundo de apoio humanitário à catástrofe sísmica no Haiti nas mãos de George W. Bush e de Bill Clinton, responsáveis diretos da opressão do povo haitiano nas últimas décadas.

O Reino Unido e o Canadá mostram o rosto no Caribe com o adorno das carapaças azuis da MINUSTAH; e o Canadá, adicionalmente, serve de quartel-general seguro para as Conferências de banqueiros, primeiros-ministros, agentes financeiros do FMI, agiotas, usurários, presidentes, órgãos de fomento ao desenvolvimento do continente, muitas vezes todos eles unidos numa pessoa só e, enfim, toda a melhor parte e a nata das aves de rapina imperialistas.

A tragédia social haitiana é alavanca para o capital financeiro para os imperialistas

Nem os mais exitosos sobreviventes do Haiti desde o terremoto – as mercadorias dos supermercados centrais – escaparam das indissolúveis cadeias que representam o terremoto social do imperialismo norte-americano e europeu. Há algumas semanas, uma máquina, um bulldozer, utilizada para limpar os escombros do maior supermercado do Haiti, o Mercado Caribenho, causou um colapso secundário, ruindo as estruturas já emaciadas da construção, para vê-la abaixo no momento seguinte. Vários haitianos se encontravam no local nesse momento, uns ajudando nas buscas e outros procurando artigos úteis. Mesmo inundado por ajudantes, o Haiti segue faminto. A dispersão da ajuda internacional perde seu caráter útil ao povo haitiano enquanto ganha um caráter utilitário ao imperialismo, agora sob a égide da abertura de licitações às empreiteiras multinacionais e corporações bilionárias para a reconstrução do Haiti.

Porto Príncipe fica cada vez mais longe das mãos das trabalhadoras e do povo haitiano ao mesmo tempo em que são contratados por essas empresas para montar com suas mãos bloco após bloco. Na última Conferência do Canadá, os bucaneiros dos países centrais acharam a idéia brilhante – para eles e para a solução de seus problemas domésticos, devidos à crise econômica – de amenizar a situação haitiana com o mesmo roteiro úmido que usam em seus países industrialmente mais avançados – a “criação de empregos”. Sua filantropia burguesa só foi tão longe quanto a fumaça de suas fábricas: contratar 10,000 haitianos, a um salário de fome de 5 (cinco!) dólares cada um, durante dez anos para ajudar na reconstrução. Do ponto de vista da necessidade de emprego do povo trabalhador do Haiti isso é absolutamente insuficiente; por outro lado, salta aos sentidos como os EUA se aproveita da situação de miséria do Haiti para impor condições de trabalho verdadeiramente escravagistas. Enquanto isso, no Chile, a “socialista” Michelle Bachellet e o empresário reacionário Sebastián Piñera, passado e futuro presidenciais, declamam ao som das trombetas das Forças Armadas que ninguém “pode se aproveitar de situações de catástrofe para cometer atos delituosos”, acusando os esforços justos e desesperados dos trabalhadores chilenos de apanhar os alimentos e água potável nos supermercados locais, negando-se a sobreviver com evangelhos governamentais!

No regime do capital monopolista, a condição principal para a escravidão exige a doação, por parte do capitalista, de parte irrisória do produto que o trabalhador extraiu dos seus esforços corpóreos e espirituais, ao trabalhador, ou seja, as condições escravistas da produção se alimentam do assalariado; a vulgaridade contrária da burguesia neoliberal, de que escravidão implica simplesmente falta de recompensa alguma, ajuda a justificar a atitude criminosa dos gerentes de bancos centrais na Conferência do Canadá de “criação de empregos”, que só financiarão em parcelas a continuidade da fome dos haitianos. Empregos esses que, sem dúvida, eles mesmos odiariam executar.

Esses planos de licitações beneficiarão primordialmente as empresas imperialistas; essa “colaboração filantrópica” não cairá sobre os haitianos senão como grandes rochedos de concreto, esmagando sua iniciativa de auto-reconstrução, a partir de seu próprio controle dos recursos recebidos, do país arrasado pela catástrofe natural. Implicará em lucros sísmicos para o capital transnacional e – uma coisa bela é uma coisa para sempre! - esses contratos de licitação às empreiteiras internacionais (é bom lembrar que nenhuma delas é haitiana) serão lavrados pela ONU, a mesma organização que se arrogou o oligopólio da ajuda internacional e continua a conduzir irresponsavelmente o aumento trágico das mortes desde o fim do terremoto, há já quase dois meses.

Isso trará, além de um novo ciclo de endividamento após o “apagar da dívida externa”, o recrudescimento do status de colônia do Haiti, subordinado como tal pelas potências bélicas, com o auxílio nada sutil do papel servil do governo haitiano de René Préval e do primeiro-ministro Jean-Max Bellerive.

A comida entregue pelos carros da ONU é ainda extremamente insuficiente, e os meios midiáticos imperialistas nem se esforçam por ocultá-lo (basta observar a maneira com que as mulheres haitianas são obrigadas a se engalfinhar desesperadamente umas sob as outras para apanhar pequenos sacos de arroz). Adicionalmente a este caos provocado pela ONU, os lugares de distribuição de alimentos são secretos, informado apenas às mulheres, já que, segundo os cálculos inconseqüentes das Nações Unidas, “as mulheres tendem a obrigar-se moralmente a entregar comida a seus familiares, mais que os homens”. Isso só pode significar, numa conjuntura em que não há comida suficiente a todos, a seguinte estatística: aumento da violência contra a mulher, na busca por alimentos. E é necessário distinguir a causa da fome e a operação das consequencias. Pois nem chega perto das taxas monstruosas de violência contra as haitianas pelos soldados da MINUSTAH, que fornecem de maneira bárbara comida em troca de sexo, de silêncio forçado e de outros trabalhos humilhantes às heróicas mulheres do Haiti!

Nesse sentido, a ONU oficialmente decidiu resolver seus próprios problemas criando outros muito maiores para os haitianos; para poder fazer sobreviver sua invasão e controle militar no Haiti, precisa fazer sangrar e arrepiar de fome seus habitantes. Ao fim e ao cabo, a “decisão” do cancelamento da dívida externa do Haiti não tem força para entrar em vigência, e os haitianos continuam a financiá-la aos países imperialistas em decisivas prestações: pagam-na com suas vidas ao invés de pagá-la com suor.

O mais alarmante de tudo – exceto aos ouvidos da “comunidade internacional” - é que o período das chuvas já começou no Haiti, atrasando-se um pouco do esperado (meio de março). A chuva, ao atingir as “cidades de tenda”, estendidas por toda a capital e nos campos de refugiados, já mudou a figura de cor ao povo pobre haitiano, que sem abrigo seguro contra as tempestades sazonais, sofreram as primeiras baixas. A primeira chuva fez 8 vítimas fatais, afora as mulheres haitianas que trabalharam noite adentro para retirar a água das barracas com bacias. Mas o empilhamento de dejetos humanos e corpos das vítimas nas tendas de pano colocam o mais alto alarme à ameaça da disseminação de doenças epidêmicas, que se podem mostrar incontroláveis uma vez desencadeadas, pela mesma falta de infra-estrutura e ausência de estações médicas minimamente capazes de se fixar seguramente em algum terreno. Além da contaminação de alimentos, que podem causar a cólera e a salmonela, a infestação de mosquitos vetores de doenças, como a malária e a dengue, também é uma preocupação candente dos moradores dos campos de refugiados.

E os especialistas em saúde pública que vão ao Haiti vão para fazer entrevistas e entregar o relatório de uma tragédia anunciada, sem ajudar em nada, como fazem a maioria dos repórteres internacionais, na prevenção urgente de todas essas mazelas! É revoltante que se pense em “restaurar a democracia” entre pessoas que serão vítimas em breve! Trata-se da restauração segura da “democracia” da intervenção de entidades estrangeiras no Haiti!

Somente as trabalhadoras e trabalhadores haitianos podem afastar com suas próprias mãos as fardas internacionais!

E o fato de uma situação tão dinâmica, que se encaminha para uma verdadeira hecatombe, desaparecer dos noticiários e das bocas de jornalistas comprados pelo imperialismo mostra-se como o emblema mais cordial de que as trabalhadoras e trabalhadores haitianos não possuem nenhum negócio conjunto com o imperialismo; que as bocarras da ONU e do governo de Barack Obama, que sustenta a ONU nas mãos, não visualiza as mortes em Porto Príncipe, porque sabe que pode dizer sob o capitalismo: “trabalhadores, não se preocupem: por mais que vocês morram, a classe trabalhadora continuará subsistindo, de modo que sua sobrevivência está garantida na escravidão de seu vizinho”; que o exército brasileiro a comando de Lula faz o trabalho sujo de proteger a mesa de negócios internacionais no Haiti ao transformar Porto Príncipe num campo de testes e de treinamento militar - como confirma a arrogância do general Bernardes, que compara a fúria que sente aos haitianos com aquela que nutre com os moradores das favelas do Rio de Janeiro, quase dizendo, quando promete voltar à cidade com a experiência de guerra obtida no Caribe -

"Não, não lhe disse eu tudo o que dizer devera;
Minha ira não lhe expus como faço contigo;
Ela ignora a que ponto eu sou seu inimigo.
Face a face humilhá-la é o que minha honra manda,
Que ante ela, livremente, o meu ódio se expanda"!


dando-se a si a melhor parte dos “prêmios”, e buscando reservar para si a mais importante parte do botim da reconstrução; que esse mesmo governo Lula, que foi o presidente sob o qual o comando brasileiro na MINUSTAH se iniciou, que tanto se arroga de suas “responsabilidades internacionais a serem mantidas com os organismos internacionais” e que por isso “não pode deixar de cumprir a liderança das tropas da ONU no Haiti”, e que essa invasão “é positiva à reconstrução do país e de sua democracia”, só pode consagrar como a maior de suas vitórias o fato de, em 6 anos, ter organizado a fome, a violência desumana e a humilhação em cada estômago, em cada corpo, em cada espírito haitiano; que essa “grande vitória” do exército do Brasil impulsiona o Ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, a jurar, “Nossa permanência aqui é de longo prazo”.

Tudo isso remete à tarefa mais necessária de que as próprias mãos do povo haitiano sejam as responsáveis pela reconstrução de seu país, pelo controle de todos os recursos recebidos, desde alimentos e água potável até materiais para construção civil, através de organizações trabalhadoras e estudantis; que controle os insumos alimentares já disponíveis nos estabelecimentos comerciais de Porto Príncipe e os utilize para a recomposição de suas forças. É necessário que os lucros das empresas multinacionais instaladas no país sejam revertidos imediatamente à ajuda direta ao povo haitiano, e para que suas próprias organizações sejam revitalizadas.

O povo haitiano deve armar-se e promover uma mobilização efetivamente internacionalista para a defesa de seus interesses, com o intuito de, definindo-se na luta anti-imperialista, politizar-se de maneira totalmente independente e oposta ao governo fantoche de Préval. Se os ministros a serviço da OEA, incluso Préval e Bellerive, não forem varridos no curso da guerra contra o exército norte-americano, não há nenhuma possibilidade de triunfo contra o imperialismo.

Uma direção conduzida pelos trabalhadores organizados deve levar adiante todas as medidas para derrotar o conglomerado de países que desejam recolonizá-la, com os EUA à testa.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Visite e acompanhe o blog da Iskra!

O blog da revista Iskra é espaço aberto por uma nova geração de estudantes e jovens intelectuais marxistas, que, aproveitando o dinamismo próprio da internet, pretendem abrir reflexões e debates sobre os principais tópicos da atualidade, desde os temas cotidianos mais candentes do cenário político ou da luta de classes, até as discussões mais profundas sobre economia, filosofia, arte e cultura. Nos distintos níveis de questões oferecidas pela própria realidade, buscamos, de maneira audaz e “inconformista”, combater as idéias dominantes e a força espiritual burguesa, como parte do esforço de forjar uma intelectualidade renovada, efetivamente revolucionária e a serviço da emancipação dos trabalhadores. Sabemos que não se trata de uma tarefa simples, fácil. Ao contrário. Queremos contribuir, na medida de nossas humildes forças, na difusão do marxismo, numa hora vital em que seu poder de atração rejuvenesceu com respeito à etapa anterior, especialmente a partir do solavanco do capitalismo e do estouro de sua crise em 2008.
Em nosso blog – e nos boletins eletrônicos que divulgaremos periodicamente – queremos também intervir nos principais debates da esquerda política e universitária, de suas tendências e correntes, que muitas vezes se desviam do pensamento efetivamente transformador, perdendo-se seja na esterilidade prolixa do marxismo acadêmico, seja no baixo nível – reformista, populista, ou dogmático – da esquerda organizada. Queremos dialogar e polemizar com a intelectualidade brasileira, discutindo suas proposições teóricas e suas posições políticas para, a partir daí, desnaturalizar a passividade tão cotidiana na academia. Debateremos também matérias de jornais e revistas de grande circulação, nos posicionando diante dos principais acontecimentos do cenário nacional e internacional. Divulgaremos nossas atividades, bem como a de nossos grupos irmãos, como o Movimento A Plenos Pulmões e o grupo de mulheres Pão e Rosas. Pretendemos também cobrir os principais eventos políticos e acadêmicos nos lugares onde estamos.
Queremos transformar o blog da Iskra em um pólo de debate vivo e dinâmico. Por isso, convidamos a tod@s a acessá-lo periodicamente, a divulgá-lo e difundi-lo, e a contribuir com suas próprias críticas e visões!

A adaptação à democracia burguesa: as consequências da política do PSOL nas eleições nacionais e no DCE-USP

Daniel Alfonso e Bruno Gilga


Ano de eleições presidenciais com um DCE dirigido pelo PSOL, pelo MES..... O que isso significa? O PSOL é um partido que nasceu da ruptura de um setor de parlamentares com o PT quando a grande esperança do povo transformara-se, após poucos meses à frente do Brasil, em um empecilho para a defesa de seus interesses. O PSOL é fruto de uma ruptura em frio com o PT, por fora de qualquer balanço sobre as causas reais da atuação, digamos, “pragmática” daquele partido no governo federal (como se o PT não estivesse governando cidades e tivesse cadeiras no Senado desde meados dos 80 atuando como um parido totalmente adaptado ao regime democrático-burguês)[1] , e sem a vantagem do PT de ser resultado do ascenso operário do final dos anos 70 e começo dos 80 . Sem o apoio “das massas” que esperava ter, reproduz todos os vícios a que um pequeno partido com poucas cadeiras no congresso e no senado deve se entregar para, sem quebrar as regras do jogo, não desaparecer do mapa. Para ficarmos em alguns exemplos mais recentes, basta citar o Super-simples – medida que retira direitos dos trabalhadores -, o recebimento de grandes doações da burguesia para campanha eleitoral (100 mil reais só da Gerdau no RS), o apego desesperado à polícia e à justiça federal como supostas instituições honestas, “limpas” e eficientes, a defesa de um “senado ético”, etc....

O Movimento Esquerda Socialista, considerado ala direita do PSOL pelo resto do próprio partido, depois de boicotar através dos CA´s a gestão do PSTU à frente do DCE-USP, estampa sorriso de orelha à orelha por estar à frente do principal DCE do país num ano eleitoral. Seria exagero? De maneira alguma: toda a ação do PSOL estará permeada pelo tensionamento das eleições para presidente e governador, e como partido que prega os métodos mais burocráticos da esquerda reformista brasileira, buscará, por todas as vias, colocar o DCE a favor da tática eleitoral de seu partido (claro que isso é em busca do “diálogo dos socialistas (sic!) com as massas, e da construção de uma correlação de forças mais favorável em que, aí sim, será a hora de agir... eita juventude resignada!).


Toda ajuda é bem-vinda... e Rodas fica feliz em poder contribuir!

Os pupilos de Luciana Genro dão um passo à frente na relação com o poder da burguesia


Mesmo para um partido que já aceitou dinheiro da burguesia nacional para realizar campanha eleitoral, de certa forma espanta o nível de atrelamento político entre Rodas e o DCE. (Apesar de tê-la aceitado sem escrúpulos, Luciana Genro manteve firmemente a farsa de que a felpuda contribuição da Gerdau não afetaria um milímetro de seu programa). Rodas foi escolhido a dedo por Serra com o objetivo primordial de manter a estabilidade na USP, parte de seu calcanhar de Aquiles que é a educação estadual, depois dos conflitos do primeiro semestre de 2009 que resultaram na histórica entrada da polícia, com bombas como cartão de visitas, e da crise institucional estabelecida desde então. Hábil político, Rodas chega com o discurso do diálogo “entre as partes responsáveis”; ao SINTUSP - o setor mais dinâmico e combativo da USP há anos, uma das principais pedras no sapato de Serra, a ponto de levar a ex-reitora Suely a atacar de forma inconstitucional a categoria no ano passado através da demissão de Brandão, dirigente sindical, e das bombas e balas de borracha da PM, pela primeira vez desde a ditadura – diz que tem acesso privilegiado a seu gabinete; aos professores garante aumento salarial nos primeiros dias de aula para refrear qualquer iniciativa de mobilização, e entre os estudantes... percebe a confluência com a gestão do MES no DCE em um ponto estratégico: a estabilidade política na universidade no ano eleitoral! Resultado? Rodas oferece dinheiro e aparato institucional para o DCE e, em troca, o MES finge que Rodas não existe e centra forças na solidificação de sua tática eleitoral, com olhos arregalados em direção à outubro. E é assim que o manual do calouro, pela primeira vez desde a criação do DCE, apresenta o mesmo programa da reitoria... nesse sentido, o MES já começa a gestão fazendo história.


A construção eleitoralista e o movimento estudantil


“Defendemos, a curto prazo, a implementação de cotas e a ampliação do INCLUSP, e a médio prazo, a “expansão planejada de vagas”: é o que diz o manual do calouro, parafraseando a plataforma de Rodas como candidato a reitor. Na semana da calourada o MES também chama, a partir da rede de cursinhos que dirige, um ato por uma audiência com Rodas sobre cotas, cuja realização ele mesmo já acenara. É assim que o MES procura, sem entrar em contradição com a reitoria, aparecer como disposto à luta, travestindo de conquistas próprias as pequenas concessões com que Rodas já acenava para fechar pela direita a crise política aberta na universidade. Nada mais conveniente para um reitor que tem muitos mais ataques do que concessões reais a oferecer.

Para isso, a gestão do MES no DCE precisa apagar as bandeiras levantadas por estudantes e trabalhadores ao longo dos últimos três anos, e mais, deslegitimando seu programa, para deslegitimar as próprias lutas! Deixar de lado os fóruns de democracia de base do movimento, outorgando-se, a partir da votação que receberam nas eleições para o DCE – um simulacro de eleição parlamentar que nem sequer constitui uma gestão proporcional – a prerrogativa de dar os rumos do movimento em nome dos estudantes. É a forma que toma no movimento estudantil a concepção cujas consequencias na política nacional apontamos mais acima, e que no debate das eleições desse ano, já toma contornos claros; vejamos...

Em um artigo para o blog da campanha por Martiniano, “Barbara Vallejos, militante do PSOL e dirigente do DCE/USP” – como assina -, expressa de maneira clara esse espírito conservador.[2] Defendendo que Martiniano seja o candidato do PSOL à presidência da república, comenta a intervenção de Plínio de Arruda Sampaio (favorito em São Paulo para ficar com a candidatura) em debate sobre criminalização dos movimentos sociais. Plínio se referia à defesa do MST, segundo o quadro traçado por Barbara,

destacando a ousadia do movimento ao ter derrubado os sete mil pés de laranja. Disse que, quando questionado sobre o ocorrido, ele respondia: ‘O MST errou. Deveria ter derrubado 70 mil”. O que me deixou mais chocada foi ouvir ainda a declaração: “Antes, os velhos precisavam impor limites aos jovens. Vejam só… Hoje, Plininho me coloca limites e pede para que eu não dê declarações tão radicais. Mas mesmo assim, digo: deveriam ter derrubado 70 mil!’.

Depois de dizer em uma frase escondida que infelizmente não houve falas do PSOL contra o PT, Barbara passa todo o artigo frisando a importância de um debate mais “realista”, contra as referências de Plínio a uma “vaga burguesia”. Defender Plínio não é nosso interesse, mas cabe perguntar: que debate mais realista que a luta por terra em um país de enorme concentração latifundiária? O problema da visão de Plínio, e a “utopia” – como diz Bárbara – que carrega, não é a defesa do MST, mas sim a idéia de que é possível levá-la à frente em conciliação com a burguesia (ainda que temporariamente) – e sobre esta concepção, sim, nem há grande divergência prática por parte de qualquer setor do PSOL; já o problema do MST está longe de ser o de ter destruído somente 7 mil pés de laranja: a questão é o atrelamento da direção do MST ao governo federal e seu programa, que respeita a concentração de terra “produtiva”[3],

Para Barbara, a responsabilidade do PT sair vitorioso no debate é exclusivamente de Plínio, mas o mais importante é a constante busca por uma política mais “pragmática”. Vejamos um trecho:

“O embate de projetos não foi pautado por aquele que se pretende o maior porta-voz de nossa organização. Enquanto o discurso for de propaganda do socialismo, sem atacar os opositores reais de nosso projeto, Plínio seguirá sendo o admirado candidato dos sonhos e das utopias, mas será incapaz de postular o PSOL como uma alternativa REAL de transformação. Por isso, no debate, a intervenção de Plínio foi incapaz de impedir que a posição petista saísse como vitoriosa. (...)Não faremos isso se nos apresentarmos, de forma infantil, como iluminados capazes de tratar do socialismo, “chocando a opinião pública”. Conseguiremos dar cabo de nossas tarefas chocando-nos com o lulismo e com a política que dialogue com o movimento de massas. Definitivamente, a nossa opção não pode ser a de contentar-nos com o papel de consciência crítica e radicalizada do PT.” Qual deve ser o objetivo do PSOL? Barbara eloquentemente nos diz em seguida: “A missão do PSOL é maior. Hoje, o nome capaz de empunhar nossas bandeiras de luta por terra, justiça e igualdade é Martiniano Cavalcante!


Por um verdadeiro programa realista!


Defendendo o “diálogo dos socialistas com as massas”, cuja consciência está distante da revolução e próxima de Lula, o PSOL se adapta justamente a essa consciência, integrando-se profundamente às instituições da burguesia e alimentando ainda mais as ilusões de qualquer setor cuja confiança conquiste nos mecanismos de preservação da ordem burguesa, cumprindo particularmente o papel de reforçar o espírito passivo de uma juventude que só conheceu os anos de ofensiva do neoliberalismo.

Barbara diz que é necessário um programa realista. Foquemos então onde Barbara e o MES possuem raio de ação direto, mas confundem programa realista com mãos dadas ao reitor (e consequentemente a Serra...quem diria hein?). Um programa realista nas universidades deve retomar as bandeiras votadas nas assembléias dos últimos anos, deve passar, entre outros pontos, pela luta contra a UNIVESP e a destruição do ensino, ligando-a à luta pelo fim do vestibular - não pelo INCLUSP[4]!; deve ser pelo fim da terceirização e do trabalho semi-escravo, com integração imediata dos terceirizados ao quadro de funcionários, com salários iguais para funções iguais!; deve ser pela destruição do regime despótico das universidades, onde estudantes, funcionários, professores e comunidade possam proporcionalmente decidir os destinos do ensino superior! E devemos dizer em alto e bom som: um programa realista passa pela discussão democrática com os estudantes em luta! No dia 13/3 ocorreu algo quase inédito: a partir de uma proposta da gestão do MES no DCE, e com permissão de todos os CAs presentes, sem exceção, um CCA se outorgou a prerrogativa de definir, por fora de uma Assembléia, a “pauta” dos estudantes para o ano![5] Claro, são os representantes eleitos, infere-se daí que podem fazer o que bem entendam, até resolver mudar de posição e deixar de exigir a revogação da univesp (seria a posição do ano passado discurso eleitoral?). Nos perguntamos, que serviram as lutas de 2007, 2009? Para darem eixo aos desafios do movimento estudantil! E isso o DCE não vai conseguir apagar. Essas bandeiras precisam ser recuperadas! Um passo importante é exigir de todos os CA´s e do DCE, que se convoquem Assembléias que pautem, antes de mais nada, a independência do movimento estudantil em relação à reitoria e o pacto tácito entre a gestão do DCE e Rodas, para que os estudantes possam, democraticamente, definir sua posição em relação a sua estratégia e a seu programa, que hoje o MES tenta impor-lhes a partir de espaços burocráticos como o CCA.

Será que a influência da ideologia conservadora, (meio cristã sui generis) de Heloísa Helena, que prega veementemente contra o direito ao aborto, que tem “amigos” declarados na bancada ruralista, que defende o ensino privado, etc, não encontra nenhuma resistência na juventude do MES? O horizonte eleitoral, por si só, é estreito demais para que a juventude ouça, se sensibilize e se ligue diretamente à luta dos trabalhadores. Isso faz com que o MES repetidas vezes diga que estamos num refluxo histórico. Não sabem que estamos na pior crise econômica desde os anos 30? Não estão a par dos fortes impactos na classe trabalhadora e na incipiente resistência, tanto de um setor histórico da esquerda quanto de uma geração que não cresceu com a referência no PT? Não percebem que apesar do movimento operário e social não demonstrar sua verdadeira força, há processos de luta de fundamental importância que mostram uma incipiente recuperação de suas forças, tanto nacional quanto internacionalmente?[6] Uma atitude realista, no sentido marxista do termo, reconhece que o diálogo dos socialistas com as massas parte de apoiar suas lutas, acelerando por essa via – e não pela via dos discursos eleitoreiros – uma experiência crítica com as ilusões que têm na democracia burguesa – no Brasil em particular com o governo Lula –, e, portanto, passa pela ligação com o movimento operário e suas lutas (na USP começando com a garantia da independência política do movimento estudantil em relação à reitoria e ao conjunto da burocracia acadêmica, com o apoio ativo aos trabalhadores efetivos e terceirizados e pela ligação direta com outros setores de trabalhadores e suas lutas como, por exemplo, a atual greve dos professores das escolas públicas), na perspectiva estratégica de arrancar da burguesia, termo vago para Barbara e o MES, e concreto demais para os trabalhadores -, o poder de impor uma vida de miséria e exploração.



[1] Hoje, passados mais de 6 anos da saída do PT, Luciana Genro justifica a atuação no PT devido à dificuldade da situação política dos anos 90. Isso em um artigo intitulado “um passo à frente dois atrás”, disponível em www.lucianagenro.com.br,em que defende entusiasticamente o apoio do P-SOL à Marina Silva, para o partido não “ cair no isolamento e perder grande parte do capital político que acumulamos nos últimos anos.” Apoio à Marina Silva e Heloisa Helena no Senado por 8 anos.....Em relação aos anos 90, diz “A conjuntura política não está muito fácil para os revolucionários e socialistas. Mas já passamos por piores. Sem falar na ditadura militar, na década de 90, auge do neoliberalismo, era bem mais difícil fazer política para as massas. Difícil a tal ponto que tínhamos que atuar dentro do PT, um partido que nunca foi dirigido por socialistas consequentes como é o PSOL, e tivemos também que fazer campanha e votar em Lula em 2002, quando ele já tinha até feito um compromisso com o capital (naquela tal “carta ao povo brasileiro”) de manter a política econômica de FHC.” Palavras que falam por si próprias....

[2] Convidamos que leiam o artigo na íntegra em http://martiniano.net.br/blog/?p=51 .

[3] Em busca de uma posição mais “combativa”, lideranças do MST, nos últimos anos, vêm atacando as grandes propriedades produtivas de transgênicos. Essas não estariam cumprindo sua “função social”. Já o resto das terras nas mãos do agronegócio brasileiro....

[4] Programa de Inclusão Social (INCLUSP), aprovado em 2006 dá um irrisório bônus de 3% na nota final da Fuvest para aqueles que cursaram integralmente a escola pública. Combinado com outros exames, como o ENEM, pode-se alcançar 12% de bônus na nota final. Longe de ser um programa discutido e aprovado pelos estudantes, trabalhadores e professores da USP, trata-se de uma medida da reitoria, que visa passar a imagem de democratização do acesso à universidade, sem mexer um milímetro a estrutura elitista e racista de ingresso na USP.

[5] Não podemos indicar onde essa pauta, que irá compor a pauta do Fórum das Seis, pode ser consultada porque, infelizmente, ela – que inclui adaptações tão claras ao regime e à institucionalidade como “Uma comissão paritária para acompanhar a implementação da UNIVESP” e “Criação de uma Pró-Reitoria [sic!] de Permanência Estudantil” – sequer está disponível aos estudantes, apesar de termos buscado o DCE com essa exigência.

[6] Para darmos alguns poucos, mas significativos exemplos. Na Argentina, na província de Córdoba, os trabalhadores da fábrica Kraft (produtos alimentícios) deram um exemplo de luta pela união das fileiras operárias, incorporando os terceirizados ao quadro efetivo, organizando comissões internas, recuperando o sindicato da burocracia, enfrentando-se com o Estado e buscando o apoio da população. Na Philips de Mauá, trabalhadores entraram em greve (ainda que curta) contra a proposta de fechamento da fábrica no segundo semestre. Na Europa, lutas operárias de um novo setor que se politiza frente às conseqüências da crise são recorrentes. Aqui mesmo na USP, não seria a greve, com forte elemento político, pela reincorporação do dirigente sindical Brandão – greve mais importante do primeiro semestre no Brasil em 2009 – um considerável exemplo? Não podemos deixar de mencionar a exemplar luta dos operários da fábrica Zanon, hoje FASINPAT (fabrica sin patrones) do sul da Argentina, que como resposta à crise de 2001 decidiram lutar pela manutenção de seus empregos através da bandeira da estatização sob controle operário. Depois de anos de luta, alcançaram certa estabilidade judicial e, mais importante, são dos elementos mais ativos do movimento operário argentino, sempre defendendo a independência de classe, na política e nos métodos de ação. Nos orgulhamos de poder dizer que, em particular na Kraft, em Zanon e na greve da USP de 2009 ( centralmente como um setor do movimento de trabalhadores; no movimento estudantil buscamos a massificação da luta ), nós da LER-QI e da FT-QI contribuímos na direção política das lutas – e oferecemos apoio desde fora em grande parte das demais lutas – procurando mostrar, dentro de nossas possibilidades, a força contida na classe trabalhadora e o horizonte estratégico para o qual deve apontar; é esse o “diálogo dos socialistas com as massas” que defendemos. Não serão com esses exemplos que a juventude e nós, estudantes universitários, devemos nos contagiar, apontando para uma relação orgânica com o movimento operário e popular?


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