domingo, 21 de junho de 2009

Lançamento do livro A crise estrutural do capital de István Mezsáros

Debate de estratégias nas entrelinhas

Simone Ishibashi

Na noite de 16 de junho aconteceu na sede da Apeoesp em São Paulo o lançamento de coletânea de textos de István Mezsáros intitulado “A crise estrutural do capital”, editado pela Boitempo. O evento contou com a presença dos professores Ricardo Antunes, Plínio de Arruda Sampaio Jr, ambos da Unicamp e ligados ao PSOL, e Ruy Braga da USP, ligado ao PSTU. Cerca de 200 pessoas assistiram o debate, apesar do clima gelado da noite. Ressaltaremos neste breve texto, alguns elementos que nos parecem mais importantes.
A fala inicial esteve a cargo de Ricardo Antunes, que tratou de sintetizar alguns pontos do pensamento do filósofo húngaro e de sua visão sobre a crise. Dentre estes, ressaltou que para Mezsáros não seria válida a concepção de que a dinâmica do capitalismo seria composta por crises cíclicas, mas sim por uma crise sistêmica, orgânica, ou ainda endêmica e permanente, aprofundada desde a década de 70. Esta crise seria agravada pelas tendências destrutivas do capitalismo atual, que fez o autor elaborar o conceito de “forças destrutivas”, que seria parte inerente da reprodução do “sistema metabólico do capital”.
Neste sentido, as forças destrutivas, bem como a “tendência à queda da taxa de uso das mercadorias”, outro conceito que se refere ao cada vez menor valor de uso das mercadorias produzidas sob o capitalismo atual seriam elementos complementares às tendências gerais contidas na lei do valor tal como formulada por Marx, que agravariam os aspectos anárquicos da produção capitalista atual. Como uma derivada disso, a irracionalidade no uso dos recursos naturais seria o terceiro grande perigo para a continuidade da espécie humana sob o capitalismo, tendo em vista o crescente desequilíbrio ecológico gerado pelo capitalismo, de acordo com o resgate traçado por Ricardo Antunes.
Este elemento é talvez um dos mais interessantes, pois a degradação ecológica, problema cada vez mais importante, é tema analisado ainda quase que exclusivamente por setores reformistas, e muitas vezes anti-operários, que buscam traçar uma ideologia oposta e autônoma ao problema de classe. Não à toa, o próprio Mezsáros a partir de suas preocupações – corretas – sobre o futuro dos recursos naturais, termina em obras anteriores embelezando a União Européia como um capitalismo mais “ecologicamente correto”, contra os EUA. Como se a chave fosse o Protocolo de Kyoto, e não a anarquia capitalista.
Em seguida, Ruy Braga começou sua exposição desculpando-se por não ter preparado uma fala mais elaborada em função das atividades da greve da USP (até que enfim alguém a mencionou!). Aplausos foram puxados em homenagem à luta de trabalhadores, estudantes e professores das estaduais paulistas (muito embora, na modesta opinião desta que vos fala tenham sido demasiadamente tímidos, sobretudo se levarmos em consideração que ali se fazia presente a ala esquerda, tanto intelectual quanto política, da universidade). Após o chamado ao ato de quinta-feira em defesa da greve, Ruy Braga resgatou duas vias de explicar a crise: a teoria subconsumista, de que as crises capitalistas seriam produto do descompasso entre produção e consumo e que, portanto sua solução teria que passar por medidas de tipo neokeynesianas para ajustar a demanda, e a do “profit squeeze”, que grosso modo parte dos fundamentos contidos na lei do valor para ressaltar que o capitalismo funciona aprofundando seus desequilíbrios inerentes, que quando se sobressaem às contra-tendências explodiriam em crises, como a atual.
Por fim, Plínio de Arruda Sampaio Júnior colocou que a grande contribuição de Mezsáros era que este elaborou uma teoria voltada para auxiliar a prática transformadora, sobretudo frente à crise econômica. Extrapolando a reprodução das teses de Mezsáros – que escapa à sua especialidade – Plínio complementou a fala defendendo que para fazer frente à crise, haveria que “controlar as reservas cambiais brasileiras”.

Revolução? Estado de transição? Só nos Estados Unidos

Em linhas gerais, não poderíamos deixar de discutir, ainda que despretensiosamente pelo espaço deste blog, uma das concepções que na modesta opinião desta autora é um dos mais problemáticos dentre os trabalhados por Mezsáros. Trata-se da visão que este traça sobre os rumos tomados pela URSS após sua burocratização e à teoria do socialismo num só país que dela deriva. De acordo com o resgate traçado por Ricardo Antunes, para Mezsáros a URSS não teria se constituído como estado operário, ou de “transição” por não ter destruído o “tripé estado –capital -trabalho assalariado”. Portanto, para Mezsáros a revolução russa teria dado lugar a um estado “pós-capitalista”, assexuado do ponto de vista de a qual classe responderia.
A autora deste artigo questionou qual seria a saída para o estado de transição e quais as lições da URSS para Mezsáros, já que para Trotsky e outros as raízes da burocratização residiriam no atraso econômico da URSS e, sobretudo, em seu isolamento com a derrota da revolução alemã de 1919, seguida da posterior política stalinista de “socialismo num só país”, que na prática significou o estrangulamento com a ajuda da burocracia soviética aos processos revolucionários que se abriram. Portanto, para Trotsky havia uma saída clara: a continuidade revolucionária urgente que deveria levar à vitória da revolução nos países da Europa, e o combate revolucionário contra a burocracia stalinista no plano interno, que deveria levar a uma revolução política.
Mezsáros que ao contrário de seu mestre Luckács critica a teoria do socialismo num só país oferece outra solução ao problema. A grande questão do isolamento da revolução, e a possibilidade de um estado de transição só seriam contemplados se esta se desse no “coração do capital”, ou seja, nos Estados Unidos ou demais países centrais. A predominância econômica, política e social dos imperialismos sobre os países de desenvolvimento mais atrasado resolveria, mais ou menos automaticamente, o problema da internacionalização da revolução. Dessa forma, Mezsáros apresenta uma visão que retrocede em problemas há muito resolvidos pelos marxistas revolucionários, como o de se seria válida ou não a divisão entre países maduros e não maduros para a revolução. Substitui o combate pela reconstrução de uma Internacional dos trabalhadores como via de internacionalizar as forças subjetivas da classe trabalhadora e dos povos do mundo, pela proclamação de que só com a revolução norte-americana o socialismo teria alguma possibilidade de se furtar de repetir a tragédia soviética.
O mais interessante é que apesar desta concepção, Mezsáros é um entusiasta defensor de Chávez e de movimentos como o MST. Questionado por Plínio sobre qual o papel que os países da assim chamada “periferia do capital” poderiam cumprir no combate ao capital, Antunes deu a entender que “este seria muito importante”, mas não ofereceu uma resposta satisfatória ao dilema apontado por Trotsky de que os países atrasados são mais passíveis de ser palco de revoluções, e mais difíceis de alcançar o comunismo, e vice-versa em relação aos países centrais. Conclusão: os trabalhadores e os povos dos países semicoloniais devem lutar, mas não tomar o poder sob pena de se transformarem em URSS burocratizadas do século XXI. Esta tarefa caberia apenas ao países centrais.
Embora seja indiscutível que a revolução nos países de capitalismo avançado é imprescindível para o desenvolvimento do estado operário rumo ao comunismo, e ao estado de “abundância” (lembremos que a URSS no ápice de sua produtividade não ultrapassou os EUA), o capital hoje, muito mais internacionalizado favorece os efeitos que uma revolução triunfante em um país semicolonial pode ter nos países centrais. Além disso, o desenvolvimento desigual e combinado, exacerbado contraditoriamente pelos anos de globalização neoliberal, também favorece estes efeitos. Conclusão: ao contrário de aguardar pacientemente a revolução nos EUA, ainda não há programa superior ao combate para que as lutas dos trabalhadores e das massas sejam vitoriosas onde se derem, aprofundando o internacionalismo operário e sua direção internacional. E isso não virá de nenhum Chávez, mas da ação independente da classe trabalhadora.

Controle das reservas de câmbio. Uma saída plausível?

Outro elemento que não poderíamos deixar de tocar, ainda que brevemente, foi a proposta de Plínio de Arruda Sampaio Júnior de que haveria que lutar pelo controle das reservas cambiais brasileiras. Resgatando Rosa Luxemburgo quando afirmava que não haveria que abrir mão da luta por consignas e demandas reformistas, mas ligá-la ao combate pela tomada do poder, Plínio afirmou haver uma disputa sobre o controle destas reservas entre a burguesia, que a quer para salvaguardar seus interesses e recuperar suas perdas com a crise, ou se seria investido em favor do povo.
Decerto que não se pode abandonar o combate pelas demandas, ainda que imediatas e parciais, da classe trabalhadora e do povo. Mas é imprescindível ligá-la à conspiração revolucionária para a tomada do poder, do qual a confiança da classe trabalhadora em suas próprias forças e políticas orientadas no sentido da independência de classe são condições obrigatórias. Neste sentido, cabe perguntar a Plínio como isso poderia ser feito das trincheiras do PSOL, que vêem na polícia federal um aliado. E mais, como lutar pelo controle das reservas, se diferenciando também dos setores da burguesia brasileira que defendem uma política de maior controle frente à crise. Dois elementos ausentes da fala de Plínio.

Partido: por que não abrir a discussão?

Por fim, um debate que não se abriu seriamente, mas foi uma demonstração patente dos dilemas da esquerda brasileira se deram em torno da questão de qual partido seria necessário para enfrentar os desafios postos pela crise. A afirmação de Ruy Braga que “eu defenderei o PSTU, os companheiros o PSOL”, foi interrompida por Ricardo Antunes e Plínio de Arruda Jr que em uníssono disseram “não, não defendemos o PSOL (?!), temos sérias dúvidas do que acontecerá com este partido”. Não seria ocioso perguntar por que seguem aí, já que o PSOL não passa de um fenômeno eleitoral que vai cada vez mais à direita (Protógenes!) e sequer conta com a afluência de setores importantes da classe trabalhadora...
Por outro lado, foi uma unanimidade entre os presentes que todos os existentes estariam muito aquém das necessidades da classe trabalhadora. Também aqui cabe perguntar: então por que não abrir um debate público, junto aos setores de trabalhadores que hoje se organizam na Conlutas e a juventude que desperta para a vida política, nos dias atuais à frente da imensa luta das estaduais paulistas, e as forças da esquerda revolucionária a discutir seriamente que partido político a vanguarda da classe trabalhadora precisa para fazer com que sejam os capitalistas que paguem pela crise? Mistério...

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