sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Algumas impressões sobre o Seminário István Mészáros e os desafios do tempo histórico

Simone Ishibashi

Em meio a toda propaganda de que a crise capitalista internacional já estaria se fechando, o ciclo de debates intitulado István Mészsáros e os desafios do tempo histórico, promovido pela editora Boitempo em homenagem ao filósofo húngaro, discípulo de Georgy Luckács, tem sido uma brisa fresca para todos os que não se convencem das teorias do descolamento. Ou como mínimo daqueles que desconfiam que uma crise como esta, que inúmeros analistas burgueses compararam com a Grande Depressão de 1929, possa ser resolvida de uma forma assim, digamos, tão pacífica.
Logicamente, esta que vos fala, se insere entre os que enxergam na parcial recuperação financeira da ultra conjuntura mais uma bolha que de fato uma retomada da economia. Afinal, mesmo com o presente de trilhões e trilhões dados aos bancos e especuladores dos EUA e União Européia pelos governos, o máximo que se conseguiu foi evitar a quebradeira generalizada dos bancos. Mas não o crescimento do desemprego, a depressão da chamada “economia real” e as tentativas de descarregar a crise sobre as costas dos trabalhadores mundo afora. Portanto, os debates tem sido interessantes, justamente por reunir aí uma parcela daqueles que apesar de manter muitas diferenças entre si, compartilham de um aspecto fundamental em relação a presente crise: que é profunda e que expressa a própria decadência do capitalismo.
Grata surpresa, entretanto, foi o surgimento em algumas exposições dos temas relacionados à classe trabalhadora e sua ação, à política e à saída a ser dada frente à crise, indo além dos temas conceituais e teóricos. Num seminário que poderia ser mais um ato do divórcio entre teoria e prática tão marcante em nosso país, foi de fato muito interessante ver elementos de maior aproximação, ainda que profundamente incipientes, entre este dois aspectos fundamentais do marxismo (ou pelo menos inquietação, mesmo que teórica, em torno da práxis). Pelo menos no âmbito das preocupações de alguns dos intelectuais participantes. Pena é que os debates se dão hoje, pouco tempo após o encerramento da greve da USP. Se tivessem coincidido teria, sem dúvida alguma, cumprido um papel muito superior, tanto para a elaboração teórica, como para a ação dos que protagonizaram este inicial, mas importante, ato de questionamento da universidade e de defesa das demandas dos trabalhadores, contra a presença da polícia. Mas para que isso se desse, a aproximação entre teoria e práxis já teria que estar muito mais avançada. Atuemos neste sentido.
Agora apenas alguns breves comentários sobre as discussões que pude presenciar.

Estranhamento no século XXI

A sessão da noite de 18/08 dedicada à discussão sobre Trabalho e Alienação contou com a presença de Jesus Ranieri, Ricardo Antunes, Giovani Alves e Ruy Braga. As intervenções retomaram o debate acerca da teoria da alienação em Marx e o estranhamento do trabalho. Foram falas de conjunto interessantes, as várias formas de alienação presentes no capitalismo, como a alienação em relação ao produto do próprio trabalho, a alienação em relação ao próprio gênero humano, e ao próprio trabalho. Um dos aspectos interessantes do debate foi levantado por Ruy Braga quando resgatou o conceito de emancipação como fundamental nos Manuscritos Econômicos Filosóficos de Marx, ao contrário das leituras feitas pela Teoria Crítica que apreendem apenas o aspecto do proletariado como classe estranhada, negando a possibilidade desta transcender tal condição.
Outro aspecto interessante foi o abordado por Ricardo Antunes acerca das novas formas de alienação no século XXI, em que os trabalhadores foram transformados em “colaboradores” na pregação ideológica de algumas das grandes corporações, que busca justamente encobrir o imenso avanço da terceirização e precarização dos trabalhadores. Nomeou muito acertadamente, a meu modesto modo de ver, também a divisão entre luta econômica e luta política como um outro elemento que contribui para tornar mais dificultoso o processo de avanço da consciência da classe trabalhadora.
Frente a estas observações segue aberto o questionamento: o próprio regime sindical brasileiro, - em que muitas vezes até mesmo os sindicatos dirigidos pela esquerda, ao “respeitar” as divisões entre terceirizados e efetivos, ao ter dirigentes que não se submetem ao controle da base, que há décadas tem o privilégio de não trabalhar – não seria um dos elementos que contribuem para a perpetuação da alienação?
Este questionamento, a despeito do caráter interessante do debate, não obteve uma resposta satisfatória, sendo contestado de maneira geral. Sobretudo, por estar na mesa Ricardo Antunes, que segue até que diga o contrário ligado ao PSOL, e Ruy Braga ao PSTU.

Crise estrutural do capital

Na sessão da noite de 19/08 o debate novamente abarcou a crise capitalista atual. Destacou-se a fala de François Chesnai, que polemizando com Mészáros apresentou uma visão do desenvolvimento da crise estrutural no século XX cuja lógica remetia a uma concepção mais próxima a de Lênin quando definiu a irrupção de uma época imperialista, iniciada nos princípios do século XX. Resgatou a crise do capitalista das décadas de 20 e 30, e sua resolução a partir da II Guerra Mundial e a imensa destruição de forças produtivas que significou, e depois a crise da década de 60/70 como a base para o período de valorização de capital a partir dos ataques neoliberais sobre os trabalhadores, início da incorporação da China e da ex-URSS ao capitalismo, e hipertrofia do mecanismo de financeirização da economia. Para Mészáros, grosso modo, a crise estrutural se iniciaria no final dos anos 60 e início na década de 70, tendo como materializações fundamentais a guerra do Vietnã, o Maio Francês de 68, e or processos contra as burocracias do Leste. Neste sentido, pareceu-nos que a visão de Chesnai dá conta de maneira mais profunda das contradições do sistema capitalista mundial, ao ligar as transformações econômicas e os fenômenos políticos no desenvolvimento do século XX.
Outra intervenção interessante foi do economista argentino Jorge Beinstein que ressaltou como esta crise não é mais uma crise cíclica, mas tem um caráter profundo, agravado também pelo processo de decadência histórica do imperialismo norte-americano. Terminou defendendo a auto-emancipação dos pobres, e contraditoriamente reivindicando governos como os de Chávez e Evo Morales.
Questão que não se cala: se Marx já dizia que a emancipação dos trabalhadores será obra dos trabalhadores mesmos, não é chegado o momento de atuarmos conscientemente para que exemplos como o da fábrica argentina Zanon, que depois de 8 anos em que esteve ocupada e funcionando sob controle operário obteve a vitória inédita de ser expropriada na semana passada, sejam os que norteiem a ação da classe trabalhadora e dos povos latino-americanos, ao invés de seguir reivindicando governos pós-neoliberais como Chávez e Evo Morales?

Os debates estão acontecendo na semana de 18/08 a 21/08 na USP, e posteriormente se estenderá para a UNICAMP, CUFSA, UNESP, UERJ, UFRJ, UFRGS, CEFET-MG e UNB. Até o momento já foram realizados quatro debates, em que participaram nomes como François Chesnai, Jorge Bernstein, Ricardo Antunes, Jesus Ranieri, entre outros.

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